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02/07/2010

Batman (1989)



Primeiramente eu gostaria de dizer que a minha análise sobre o filme se baseia apenas na própria obra de Tim Burton em si, pois meus conhecimentos dos quadrinhos do Batman são quase nulos e comparações do tipo a obra foi fiel aos quadrinhos? ou a obra possui menos qualidades do que a história como foi originalmente concebida? se tornam inviáveis. O máximo que posso citar é sobre a origem de Batman baseada numa rápida e superficial pesquisa, enfim, o ponto principal é o filme de Burton.

Batman é a película que foi a pioneira em distanciar o Homem-Morcego da série televisiva da década de 60. A principal vertente dessa série era o humor e a comédia pastelão, com direito até a onomatopéias do tipo SOC!, POW! durante as lutas. O Batman de Burton é um filme mais sério, e segundo a minha rápida pesquisa, se volta mais para o tom sombrio e clássico das histórias em quadrinhos de Bob Kane. Na década de 40, dois filmes, O Morcego e A Volta do Homem Morcego chegariam às telonas, mas como essas obras eram divididas em 15 episódios, o filme de Tim Burton pode ser considerado verdadeiramente a primeira obra cinematográfica sem o tom sitcom burlesco do herói sem super poderes, que influenciou a série de filmes de super-heróis que viriam baseados em quadrinhos, inclusive continuações do próprio Batman e uma repaginada do herói no século XXI nas mãos de Christopher Nolan.





Bruce Wayne (Michael Keaton) é um bilionário que presenciou o assassinato dos pais quando criança. Depois da tragédia, ele viaja pelo mundo para tentar entender a mente criminosa e aprender técnicas de combate (esses aspectos seriam explorados em Batman Begins de Nolan). Quando volta para a cidade natal, Gotham City, onde o crime está em cada esquina, Wayne, com a ajuda de seus bilhões, se transforma no herói noturno que, ao contrário do Homem Aranha e Superman, não possui super poderes, mas sim uma armadura imbatível, além de uma boa estrutura física e intelectual, que aprimorou ao longo dos anos, ele nem ao menos usa uma arma de fogo devido ao trama provocado pela tragédia envolvendo os pais. Apesar de combater o crime, Batman é visto com olhos duvidosos pelos habitantes da cidade, por acharem que o Homem Morcego recebe alguma comissão da polícia corrupta da cidade, mas o que ele faz é apenas combater o crime com suas próprias mãos na calada da noite.

A maior preocupação do tenente James Gordon (Pat Hingle) e do promotor Harvey Dent (Billy Dee Williams) é com o crime organizado que penetra vários setores da cidade. O seu chefão, Carl Grissom (Jack Palance) tem como sócio o psicopata Jack Napier (Jack Nicholson), que tem como objetivo comandar a organização no lugar de Grissom. Quando Gordon e Dent descobrem uma fraude na fábrica Axis Chemicals, Napier aproveita para tentar liquidar Batman, mas na luta, ele acaba caindo num líquido ácido e tem seu rosto desfigurado, principalmente na região dos lábios, originando um sorriso eterno e macabro. Irado, Napier passa a usar uma maquiagem aloprada e desconcertante, seu rosto pintado extremamente de branco aliado a tinta vermelha no enorme 'sorriso', os cabelos verdes e o terno roxo o transformam em Coringa, um dos vilões mais marcantes do Cinema, e provavelmente dos quadrinhos. Seu plano é dominar a cidade usando um produto químico espalhado nos produtos de beleza para que a vítima morra em poucos segundos, gargalhando sem parar e deixando o mesmo sorriso macabro no rosto.



O poder do Coringa reside em dois aspectos. O primeiro está no fato dele ser capaz de absolutamente qualquer coisa e não ser previsível, o que limita o poder de Batman simplesmente por ele ser um herói íntegro (até onde pode ser), o segundo aspecto é a dualidade existente entre ele e o Batman, uma relação complexa que atinge o mais alto grau de complementação entre vilão/mocinho. É a maldade do Coringa gerada a partir do caos e do inesperado que dá significado ao heroísmo de Batman, um não existe sem o outro, ou pensando melhor, o Batman não existe sem o Coringa. Esse conceito-chave de complemento e de relação quase mutualística é a base e força total geradora do poder de O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, que o explorou ao máximo. Nolan seguiu a óbvia, mas não tão clara linha o médico apenas existe, pois existe a doença, já a doença pode existir sem o médico. Sem nunca tirar a maquiagem, o Coringa de Nolan é um homem sem passado, ele é o caos a todo o momento, um tumor cancerígeno descontrolado e Batman é o médico. Você me completa é a máxima do Cavaleiro das Trevas, que resume o elo entre os dois. A essência, que parecia ser mais simples em 'Batman Begins, se torna complexa na obra mais recente. Já o Coringa de Burton pode ser relativamente visto como um homem mais 'linear' por ser mostrado no início como um simples mafioso, e também por não estar sempre caracterizado de palhaço.

Entretanto, essa aparente linearidade não está acima do descontrole caótico, promovido pelo diretor, ele está todo lá. Cada cena com o Coringa é inspirada, desde seu assassinato contra Grissom, passando pela chacina no meio da rua, o gás no restaurante até o clímax, quando está nas garras de Batman e prestes a cair, coloca um óculos e diz a frase mais inspiradora do filme: Você não mataria um homem de óculos, mataria?. Podemos perceber o cuidado do diretor em elaborar as seqüências envolvendo o vilão, que são ao mesmo tempo trágicas, engraçadas e cheias de aforismos. O Coringa está sempre a um passo a frente de todos, nunca sabemos o que ele esconde por baixo do terno.

Bruce Wayne é um homem solitário apesar da riqueza (ou por causa dela) e de ostentar grandes festas. Como ele mesmo diz para a fotógrafa e jornalista Vick Vale (Kim Basinger), seu único amigo é o fiel mordomo Alfred (Michael Gough). Falando em Basinger, sua personagem serve como ponte (além de criar o romance, é claro) para podermos adentrar o solitário mundo de Wayne. É interessante notar sua imponente mansão com paredes sem vida e cheia de esculturas que exaltam ainda mais a sua solidão, na melhor maneira Charles Foster Kane de ser. Uma cena importante que destaca esse aspecto é quando Vale e Wayne estão jantando e cada um está numa ponta da mesa super comprida, um recurso clichê mas que funciona no contexto em questão. Bruce Wayne também está mais para 'o homem comum' (como James Stewart e Tom Hanks) por não ser bombado como o herói de Nolan interpretado por Christian Bale, esse aspecto mais banal dá um tom até mais frágil e carente para o protagonista quando não está combatendo o crime.


Tim Burton não se excede na sua comumente plasticidade (algo que fez na sequência, Batman - O Retorno, em que realizou um bom filme, mas esteticamente exagerado e com várias falhas de ritmo), tão estilizada e pouco convencional (e nesse caso, isso não é necessariamente um fator positivo) que muitas vezes causa dúvidas quanto a sua real capacidade de criar algo mais descamado e genial digno de um grande diretor. A sua criatividade pseudo-intelectual plástica fascina, mas sua técnica 'auto-clamativa' não funciona tão bem quanto a de Quentin Tarantino, por exemplo, que cria algo consistente e profundo em seu mundo. Burton, por sua vez, cria algo muitas vezes superficial e artificial, enfim, uma estética frágil que, por estar muito acima do contéudo, foge da essência necessária ao Cinema. Mas em Batman, assim como em Ed Wood e Os Fantasmas Se Divertem, Burton é contido e não pesa a mão na história (podemos chamar essa fase como pré-plastificada), e no caso de Batman, ele equilibra o clima sombrio necessário com certas características do cinema noir, não menos apropriado já que o filme aborda o crime do submundo. Só que ele derrapa feio em criar um passado ligando Napier e Wayne, revelando que o psicopata foi o assassino de seus pais. Essa ligação é totalmente forçada e desnecessária (vale apenas para mostrar a ótima caracterização de Napier mais jovem), algo que Nolan felizmente erradicou totalmente em seu último filme.

Michael Keaton está muito bem na pele de Bruce Wayne, mostrando satisfatoriamente os já citados aspectos de solidão e fragilidade do personagem. Jack Nicholson, como é de se esperar, rouba o filme em seu personagem impérvio. E o prazer de Burton em criar personagens bizarros e deslocados caiu como uma luva para poder conduzir os protagonistas, por falar nisso, esse deslocamento tanto de Batman quanto do Coringa é outro fator que enaltece a complexidade da relação entre os dois. Já Kim Basinger apresenta uma atuação bem canastra e apagada, não há força em Vick Vale. Os personagens Harvey Dent e James Gordon são pouco explorados, e Alfred não tem o destaque necessário. Mas pelo menos todos esses três ganhariam força no futuro da franquia.

No fim, Batman é um ótimo passatempo com um bom ritmo, sempre ágil e nunca piegas. Christopher Nolan elevou a franquia a um patamar bem mais complexo, mas Burton merece crédito pela sua seriedade em transpor uma complexa história em quadrinhos para a tela com um bom tratamento e impulsionando outras boas (e ótimas) adaptações.


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