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27/01/2011

Em cada um

E se eu morrer hoje?

Ontem jantamos e conversamos
Como bons amigos. Eu agradeci a Deus pela refeição
E você nem reparou. É um hábito, como dançar.
Você disse algo sobre a morte de alguém
Mas eu não prestei atenção, e mesmo
Assim eu pude dizer algo satisfatório.
Requer prática. Não posso te ensinar.
É como cuidar de um bebê.
Incrível como os nossos assuntos preferidos
Podem passar despercebidos. Eu acho
Que olhava para o seu rosto. Era isso.

Rosto de pedra e vermelho como
Cada segundo em frente. Vermelho
Como aquela morte comentada. Ela
Não nos interessa, realmente
É mais um caso de preenchimento entre
Um beijo e um plano perfeito, engolido como carne.
Morte na boca dos vivos é preenchimento,
Como falar de negócios ou do passado. Algo
Em nós, nulo como um tapinha nas costas,
Que requereu um infinito completo
Até se desfazer diligentemente em silêncio.
Há um grito em cada homem do passado.

Como você consegue ser tão coerente ao falar da morte?

Eu sou tão desastrado quanto um primário. O meu negócio
Ainda é vida, ainda que dissimulada. Para mim ninguém morreu
Nem vai morrer. Chame de casulo. Eu o decoro com um berço.
Você fala em números. Sua língua é como um cronograma de trem.
Forte. Exata. Você é um homem, meu Deus!
Eu sou vulgar como um dia na praia. Solúvel
Em performances acrobáticas, frágil como uma reunião de conchas.
Não é ano-novo,
Eu não posso agüentar o fogo nem segurar sorrisos.
Eu não posso estender a minha mão para idosos
Ou para crianças feridas. Esse é o seu trabalho.
Há uma escuridão em cada homem do passado.

As luzes ainda se acenderão com a força de um gigante?
O que meu horóscopo irá dizer? O que são aquelas pessoas lá embaixo?
Elas estão chorando ou dançando?
Qual é a diferença? Daqui, não sei se acima ou abaixo do instante,
Deitam-se mulheres esquálidas que se parecem com anjos. Não há nenhum homem.
As crianças brincam como sempre o fazem. Elas me assustam com sua brancura.
Não é exatamente perfeito por aqui.

Talvez eu tenha que criar algo, mas o que?
O que eu posso criar no meio da indiferença?
Minhas mãos não me pertencem mais, elas balançam sem vida como lençóis no varal.
Meus dedos entorpeceram como um molusco. Meu cérebro é um prato para traças.
Meu corpo luta para ser livre.
A minha alma é tão instantânea quanto um aneurisma.

Há peixes, vinhos e cegos, como era de se esperar.
Eu acho que todos eles se entendem, como políticos. Há um código. Eles sussurram como víboras, trocando armadilhas.
Mais uma vez eu não posso participar. Mais uma vez ter nascido não fez diferença.
Mais uma vez eu estou morto.

Jesus,
O grande chefe, a razão de tudo isso, o trapaceador,
O homem velho cheio de mentiras,
Não apareceu.
Ele me enganou outra vez.

Há uma dúvida em cada homem do passado.


Gian Luca

21/01/2011

Cisne Negro (2010)




O mais novo trabalho de Darren Aronofsky, diretor da obra-prima Réquiem para um Sonho, é uma imersão psicológica latente em um das vertentes artísticas mais enigmáticas e impenetráveis que existem: o balé. Aronofsky emprega aqui alguns artifícios da estética e da abordagem narrativa vista em Réquiem para um Sonho, mas em Cisne Negro, as artimanhas do diretor são condensadas num ritmo ainda mais onírico e insular.

A fita acompanha a trajetória da bailarina Nina (Natalie Portman), uma dançarina de balé já veterana, que se encontra sob forte pressão ao tentar os papéis principais na montagem de Cisne Negro, em que ela é cotada para interpretar tanto o bem quanto o mal (leia-se: cisne branco e cisne negro). Nina vive com a mãe, Erica (Barbara Hershey), uma mulher superprotetora que mantém a filha em um constante estado tensional, tem como tutor o galanteador Thomas Leroy (Vincent Cassel), que usa seu barato charme francês para provocar rupturas na personalidade inescrutável de Nina, e como 'arquiinimiga' a bailarina Lily (Mila Kunis), que também compete pelo papel de cisne negro.

Logo no início da obra é de se estranhar o uso da câmera na mão do diretor, processo chamado de hand-held, que dá ao filme uma característica documental, já que, a priori, a trama superficialmente pode nos levar a acreditar que o uso de uma câmera mais tradicional e clássica seria mais apropriada para o assunto em pauta. Porém é apenas uma questão de tempo para que o espectador perceba que o uso da câmera tipo documental é bastante apropriado. O classicismo da arte é jogado por terra devido ao processo de desintegração mental sofrido por Nina, que em busca da aceitação pela perfeição quase inumana, se deteriora em alucinações e paranóias. A linearidade da causa/conseqüência e a personalidade das pessoas ao redor de Nina são parcialmente destruídas sob o ponto de vista da artista. O espectador assim se torna um juiz duvidoso e ansioso por respostas concretas para um julgamento claro das ações, mas Aronofsky não está disposto a ajudar nesse processo.

As alucinações de Nina são ora inspiradíssimas ora muito frágeis. O diretor entrega certas seqüências alucinógenas brilhantes, principalmente as que envolvem diretamente o corpo de Nina, que é, obviamente, o centro das atenções. Porém, ao tentar expandir as confusões mentais ao redor da bailarina, muitas vezes nos deparamos com passagens que não alcançam a subjetividade afiada das outras, mais parecendo seqüências de filmes de terror do que de um drama psicológico. Agora, se o filme derrapa algumas vezes no que diz respeito as construções da mente de Nina, o emprego dos cenários não poderiam ser mais exatos. O quarto de Nina é repleto de ursos de pelúcia e assombrado por um rosa bebê enjoativo, o que remete a sua personalidade infantil e sexualidade reprimida; a escola onde ela realiza os ensaios é fria e dominada pelas cores preta e branca; Nova York é um lugar frio e pouco convidativo, e até mesmo a grande apresentação da montagem do Cisne Negro se torna algo incômodo e pesaroso. É mister compreender que todos os cenários enfatizam o drama patológico de Nina, como se tudo estivesse imerso em sua mente.

Natalie Portman, cotadíssima para o prêmio Oscar de Melhor Atriz (ela já levou o Globo de Ouro para casa), dá a vida a uma menina/mulher desagradavelmente tímida, anti-social e principalmente, insípida. Quase sempre com lágrimas nos olhos, Portman faz de Nina um ser doente, sem objetividade e sem opinião, e são nessas características que reside todo o brilhantismo da atriz. A câmera ainda é de grande ajuda ao abordar Portman quase sempre em plano médio (nem a sua grande apresentação é poupada dessa técnica), dando assim um aspecto ainda mais idiossincrático para a obra. Barbara Hershey é competente no papel de mãe frustrada (ela abdicou de sua carreira no balé para criar a filha), sempre com os olhos atentos e expressões duras, Vincent Cassel foge do estereotipado papel de professor ao empregar em Leroy um homem por vezes misterioso e afrodisíaco, e Kunis faz um ótimo contraste com a natureza sem graça de Nina. E ainda temos a aparição de Winona Ryder, como uma bailarina aposentada que, apesar de aparecer bem pouco, cumpre bem o papel de mulher malograda com ares sombrios.

Cisne Negro não deve ser um filme que vai cair no gosto da maioria. É uma película difícil, suave demais, pesada demais, nada inócua e de múltiplas interpretações. O grande cotado para o vencedor do prêmio Oscar de Melhor Filme, A Rede Social, tem muito mais chances devido ao seu conteúdo mais imediato e instantaneamente compreendido, o que acaba o tornando mais tradicional do que um filme de balé, por assim dizer.

19/01/2011

Revisitado

Lá havia um vilarejo
Onde não se vivia muita gente, é claro
Havia apenas uma igreja, um mercado, uma praça
Um cemitério, uma cadeia
E nenhuma livraria

Isso não era motivo de alarde para a população
A maioria se contentava apenas com o jornal diário
Ou com o caderno de hinos da missa dominical
Mas Cachinhos Dourados era uma leitora ávida

Ela já tinha lido todos os livros da pequena biblioteca do pai
E todos os outros de suas amigas:
Mary, Jane, Rebecca, Martha etc. etc.
E agora ansiava por mais aventuras
Que se passavam nas grandes mansões inglesas e irlandesas
Onde mulheres esperavam pelo príncipe encantado
Como desempregados esperam por uma ligação na sala de estar
Onde mulheres dedicavam-se a leitura e a pintura
Como as pessoas de hoje dedicam-se a carimbos e caixas

No vilarejo de Cachinhos Dourados
As mulheres não esperavam por nenhum príncipe
Cada uma já tinha um sapo de olhos esbugalhados
Gordo, careca e marrom como uma verruga
Nem liam, ou pintavam ou nem mesmo tocavam algum instrumento
A canção que saía pelas janelas das casas
Era o som das panelas, dos brinquedos e dos gritos
A pintura era o sangue escuro derramado no carpete
Ou alguma imagem do padroeiro daquele lugar

A única saída para Cachinhos Dourados era a leitura
Mas a biblioteca pública encontrava-se no vilarejo vizinho
E para chegar lá ela tinha que atravessar uma floresta
Que diziam estar cheia de maus espíritos, duendes e elfos
Nenhuma criança até hoje tinha ousado atravessá-la
Apenas os adultos iam e vinham
Trazendo alimentos, madeira e ferramentas
Mas obviamente nenhum livro

Numa bela manhã Cachinhos Dourados estava decidida a atravessar a tal floresta
Afinal, ela não era Mary, nem Jane, nem Rebecca, nem Martha etc. etc.
Ela era Cachinhos Dourados, uma heroína
A menina então preparou uma cesta de alimento
Vestiu seu melhor vestido de seda (afinal, como seriam as pessoas do outro lado?)
Penteou os lindos cachos e os prendeu com um lenço rosa
Partiu assim para a floresta como uma coruja
Sem falar com ninguém e com os olhos acesos

A floresta não parecia nada assombrada, pelo contrário
Por todo o caminho Cachinhos Dourados foi acompanhada pelo canto dos pássaros
E avistou famílias de coelhos saindo de suas tocas para a caça
Além de belas e cheirosas flores
Que ela acabou colhendo algumas
Para entregar a sua mãe como desculpa pela sua pequena fuga
Que idéia brilhante!

Depois de meia hora de caminhada
Que bela surpresa!
Cachinhos Dourados estava em frente a um adorável chalé
Um lindo chalé no meio da floresta!
Ele não era feito de doces, logo não poderia pertencer a uma feiticeira
O que poderia ser mais agradável?
Havia um lindo canteiro de rosas vermelhas
Da chaminé saía uma fumaça cinza
E na soleira da porta encontrava-se um pequeno carpete com a frase em escarlate:
Seja bem vindo (a)!

Ora, ela era então bem vinda naquele lugar extraordinário!
Cachinhos Dourados quase não podia acreditar na sorte que estava tendo
Deu então três batidas na porta
Mas ninguém respondeu ou veio atendê-la
Ela se lembrou da igreja de seu vilarejo nos dias de semana
Onde apenas um velho era encarregado da vigília
E nenhum fiel desesperado conseguia atendimento

Cachinhos Dourados bateu mais uma vez e a porta se abriu
Pela pequena fresta que se formou ela viu que o interior era ainda mais agradável
A chaminé estava funcionando como um trem
Ela entrou e seus olhos brilharam com tanto aconchego
Que lugar lindo para viver!
Que lugar lindo para ter uma família!

Três pratos de mingau estavam sobre a mesa da cozinha
Os dois primeiros estavam gelados como comida de hospital
Mas o terceiro, um pouco menor, estava quente e delicioso
Cachinhos Dourados tinha se lembrado da comida da avó
Aquela pobre e velha que tinha morrido careca e de boca aberta
Ela parecia tão estúpida naquele dia!

A menina viu três lindas cadeiras de mogno perto da viva lareira
Duas grandes, muito grandes, e uma média
Ela se sentou na cadeira menor e ficou observando a lareira por alguns minutos
Pensando nos novos livros que iria ler, nas novas aventuras, nas novas pessoas interessantes...
Quando Kaput!
Cachinhos Dourados estava ao chão e a cadeira partida ao meio
Que desgraça! Como ela iria consertar aquilo?
Seu pai havia ensinado marcenaria apenas para seu irmão mais novo
Era privilégio de um menino, como caçar ou viajar sozinho
Ela estava perdida, perdida!

Mas antes que pudesse pensar em alguma solução
Três ursos entraram no chalé segurando sacolas de frutas e verduras
Era obviamente uma família composta por pai, mãe e filho
Cachinhos Dourados chegou a pensar debilmente que poderia se esconder
Como fazia quando comia os doces da mãe
Mas a mãe urso avistou a menina, viu a cadeira arruinada e a pegou pelo braço
Quem é você? O que está fazendo na minha casa?

Ela tentou se desculpar
Mas sua voz foi abafada pelos berros do menino urso
Que gritava como uma mulher em trabalho de parto
E se debatia no chão como um epilético
Ninguém iria ajudá-lo?
Ela viu o pai urso se dirigir a cozinha e pegar uma garrafa de uísque
Ele bebia o líquido como um cachorro sedento
Suas pernas grossas apoiadas na mesa como duas colunas

A mãe urso presenciou toda aquela cena e se virou para a menina com um sorriso de escárnio
Não ligue para eles! Eles sabem como fazer, ela disse
Cachinhos Dourados estava mais triste do que aterrorizada
Aquele sorriso não pertencia aquele rosto
Cujos olhos estavam vidrados
E as narinas dilatadas como as de um cavalo
Meu filho é demente e meu marido é um alcoólatra
Eles são tão estúpidos quanto o resto de um pudim
Eu sou a única normal nesse lugar, ela disse
E o sorriso havia desaparecido como um kamikaze

A mãe parecia ter se acalmado depois de alguns minutos
O pai estava dormindo na cozinha mesmo
E o menino se mexia leve e silenciosamente como um recém-nascido
Cachinhos Dourados teve então a chance de se explicar
E o propósito de atravessar a floresta pareceu iluminar a fronte daquela coitada
Provavelmente ela nunca tinha ouvido uma história desse tipo!

Porque você gosta de ler?
(Meu filho nunca gostou de ler)
O que você gosta de ler?
(Eu lia romances ingleses quando menina)
Porque nenhuma criança jamais saiu do vilarejo?
(Elas são tão medrosas assim?)
Qual seu tipo mingau preferido?
(Talvez eu possa fazer mais para você)
Porque seu pai não ensinou a você a arte da marcenaria?
(Meu marido é um ótimo carpinteiro, mas ultimamente não consegue segurar nem a maçaneta da porta!)

Todas essas perguntas acalmaram Cachinhos Dourados
Então não havia nada a temer!
É claro que seu pai teria que fazer algo para ajudar aquela pobre família
Mas ela tinha certeza que ele o faria, ele era um homem tão bom!

Enquanto respondia as perguntas
A mãe urso conduziu Cachinhos Dourados para o andar de cima
Elas entraram em um quarto onde tocava uma música vinda de uma caixinha na cabeceira
Mas a menina nem ouviu qual seu entusiasmo em falar de sua maior paixão
E qual não foi a sua surpresa
Quando a mãe urso abriu uma porta no chão
E lá de dentro a menina conseguiu enxergar pilhas e pilhas de livros!

Havia uma biblioteca inteira ali! Ela não iria precisar atravessar a floresta!
E antes que Cachinhos Dourados pudesse perguntar se poderia...
Kaput!
Cachinhos Dourados foi jogada no compartimento secreto como uma judia
A porta se fechou e a última coisa que ela conseguiu enxergar
Foram as mãos inchadas da mãe urso fechando a porta delicadamente

Cachinhos Dourados olhou em volta e viu que o lugar era fracamente iluminado
Pegou então um dos livros como se fosse uma bíblia
E dali por diante nunca mais parou de ler.


Gian Luca

09/01/2011

Crítica Vencedora do Concurso Vitória Cine Vídeo - Um Animal Menor

O curta Um Animal Menor, de Pedro Harres e Marcos Contreras, é um extraordinário conto de terror e suspense psicológico, que leva o expectador a mais completa amargura, em um processo de subversão de valores a partir de um contexto claustrofóbico e quase insano.

Uma mulher acorda e descobre estar presa em um poço. Quando grita por ajuda, um garoto de não mais que 10 anos, que se diz chamar José, aparece e se mantém como único contato da vítima durante os vinte minutos angustiantes da projeção. Isso porque José, nas suas indas e vindas em busca de ajuda, acaba sempre aparecendo sozinho e dizendo que a ajuda já está a caminho, porém fica claro que ele não busca ajuda alguma, levando a mulher quase à loucura. José a alimenta e fornece remédios, e enquanto a prisioneira tenta convencê-lo de ir buscar alguém, a criança se transforma, aos poucos e bizarramente, em um pequeno vilão. As motivações de José para manter a mulher no poço são reveladas aos poucos, mas nunca totalmente, a partir de frases sutis pronunciadas por ele, com sua voz suave, calma e perturbamente infantil.

O roteiro é brilhante em nunca explicitar o que realmente leva José a esse ato de maldade. O espectador apenas tem algumas idéias das motivações do garoto a partir de frases como 'eu só te ajudo se você disser que me ama', 'diz que me ama', e pelo rebate desesperador da mulher ao dizer 'você está aqui só porque ninguém te quer, 'eu te odeio José'. Estaria ela encarando um garoto em busca de amor maternal, de um amigo? Ou o menino seria apenas uma criança doente, talvez mesmo devido à falta desse amor? As possibilidades ficam em aberto, tanto para o espectador quanto para a própria mulher, que sem querer, se envolve em um problema que não a diz respeito e muito maior do que ela pensa.

A câmera é feliz em manter-se quase que totalmente sob o ponto de vista da mulher. A sensação de encarar o menino de cima torna a situação ainda mais misteriosa, afinal, o que pode aparecer lá de cima? Apenas poucos lances são vistos do ponto de vista do garoto, o que garante um alívio de poucos segundos para o espectador. As atuações são extraordinárias e bastante coerentes com a situação.

Gian Luca



Trailer:




Making Of:



07/01/2011

Novo

Uma noite e aquela noite
Quente como a mão de um amante
Iluminada como a vitória dos fracos
Encontrava-se com o mar
Plano e calmo como um rei deposto

Pisei algumas vezes na areia
Ela me recebia com cortesia
E com um pouco de amargura
Mas éramos amigos, naquela noite
Ela sabia que eu precisava de alguns minutos
Antes de voltar

Ela sabia
Que eu não tinha nenhum filho para brincar
Mas ela me aceitou sem falácia
Ela sabia
Que minha família já não mais existia
Ela a tinha conhecido
Mas como uma grande amiga, não disse nada
Ela sabia
Que meu grande amor estava tão perto
Que ela quase poderia sentir seus pés
Mas ela ficou em silêncio
Me disse: Não o chame!
Como que velando pela minha beleza e tristeza

Talvez ela até sentisse um pouco de inveja
Afinal, seu grande amor estava também muito perto
Porém eternamente separado por um acaso estúpido
Os braços do mar estavam cansados
E agora apenas brincavam de acariciar
Que raiva que ela sentia!

Ela sentia inveja da lua e o do sol
Que não tinham o infortúnio de se encararem
O sofrimento era menor, como uma pílula
Existia nobreza naquilo tudo
Como um orfanato em reforma

O caso dela era patético
Tão patético que ninguém havia falado até hoje
Sobre a história de amor da areia e do mar

É uma vulgaridade, na verdade
Estar no chão
E ninguém pensa nisso
Sonham com astros, com espaçonaves,
Com Deus!
Inventam deuses gregos
Inventam Deus
Inventam uma morada no céu
Agradecem pela chuva
Receiam o vento e os raios
Queimam ao sol como escravos
Inventam Marte!
E estão sempre presos
Como que nascidos cegos ou mudos

Areia, amiga
Você e o mar tiveram azar
Dói lhe dizer isso
Mas o mar ainda tem a cor da nobreza
E as pessoas o veneram extasiadas
Já os cães defecam na sua infinitude
Ignorantes como homens
Eles não se importam com seu esforço!
Mas você é boa, sentimental
Viverá ainda por muito tempo
Alguns percalços não tirarão seu tímido poder

Areia, cada grão é um horror?
Cada grão é uma criança?
Cada grão é um judeu?
Cada grão é um poeta?
Cada grão é um assassino?
O que é esse amontoado amarelo, afinal de contas?
Eu não consigo entender
Como você pode ser tão inteira

Pisar não lhe machuca?
Ser muito delicado é impossível, você sabe
Às vezes eu acredito que você seja pedra
Ou Deus
Ou meu amor
É realmente muito difícil

Você ama o mar, não ama?
Fique aqui com ele
Vocês ainda podem sentir um ao outro
De algum modo...

Viu como é?
Eu queria falar sobre mim
Sobre ele
E acabei lhe destrinchando como um médico
É melhor eu voltar
Antes que me chamem.

Gian Luca

01/01/11