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29/05/2011

Culpe as garotas!


Mika, um cantor nascido no Líbano e com apenas dois álbuns lançados, já é uma figura de respeito no cenário pop musical. Com sua voz estilizada que todos insistem (e com razão) de comparar com a de Freddy Mercury, o artista também é conhecido pelas suas letras espirituosas e sarcásticas, algumas delas como pano de fundo para videoclipes, senão originais, ao mínimo interessantes. É o caso do videoclipe ‘Blame It On The Girls’, lançado em 2010, dirigido por Nez Khammal (que já tabalhou com M.I.A., Kanye West e Lily Allen, entre outros). O trabalho é um compacto que traduz, por meio de referências gritantes ao filme 'Laranja Mecânica' e ao videoclipe ‘Let Forever Be’ do Chemical Brothers, um universo misógino e rebelde, nada menos parecido do que a película em que o videoclipe se baseia.

Para não dizer que estou exagerando, ‘Blame It On The Girls’ já se inicia com um trecho de uma fala do protagonista da obra de Stanley Kubrick, o anárquico Alex, dublado sem pudores por Mika, que usa uma vestimenta que lembra vagamente a de Alex, se não fosse pelo rosa pálido no chapéu (e no colete) ao invés do preto básico. Interessante o uso do sampler que Mika produz: ao invés de samplear alguma melodia para criar um novo significado (como Madonna fez em ‘Hung Up’, por exemplo), a escolha de samplear um trecho de uma fala cria não somente um novo significado, mas também uma espécie de continuidade do filme, como se mais daquela obra pudesse ser dito por alguém influenciado por ela, logicamente em um contexto bem diferente, mas não de todo. Segundo Marcus Bastos, em seu texto ‘A Cultura da Reciclagem’, ‘o funcionamento do sampler sinaliza para a possibilidade de explorar a reutilização de materiais como técnica para produzir textos, imagens e música, e pode ser associado às diversas formas de colagem’. Obviamente aqui estamos falando de música e imagens, e a colagem (nesse caso, o trecho da fala) feita no videoclipe não é repetida em nenhum outro momento na música, diferente do que é feito, por exemplo, na música ‘Like Toy Soldiers’, de Eminem, em que o feito de repetir o refrão de ‘Toy Soldier’ de Martika cria um processo cíclico na música (a mesma coisa acontece em ‘Hung Up’). Já com Mika, o sampler (não sendo uma melodia) é apenas um ponto de partida para que outra história seja contada com base em vários elementos de Laranja Mecânica.

E que história é essa? Na música, Mika nos conta sobre um homem que tem tudo para ser bem sucedido na vida, mas que em vez disso, desperdiça sua vida com bebidas e noitadas. E de quem é a culpa? Segundo Mika, culpar as garotas (sempre tão certas de si), os garotos (grandes praticantes de bullying), a mãe (que só fala besteira) e o pai (mas (in)felizmente, esse já está morto), é a melhor forma de se desculpar pelo fracasso.



Para traduzir a letra, o cantor personifica um Alex pudico, de fato. Ele não ataca nenhuma mulher com um pênis gigante de gesso cantando ‘Singing In The Rain’ e muito menos agride mendigos na rua. O videoclipe inteiro se passa dentro de apenas um cenário, mas que vai se abrindo ao longo da projeção, seja por paredes falsas que são retiradas ou pela própria extensão do espaço que vai sendo descoberto pela câmera (em travelling) na medida em que Mika passeia por ele, criando sempre uma nova expectativa para o telespectador. O cenário, aliás, é notável, toda a primeira seqüência de Laranja Mecânica está lá: os espelhos angulares, os sofás com os manequins prateados, gavetas para arquivos, refletores e ventiladores, além de alguns figurantes em pose estática, que refletem bem um mundo introspectivo e de decepções. A referência certeira e divertida ao clipe supracitado do Chemical Brothers se dá quando várias mulheres (que na verdade são apenas uma) saem detrás das paredes falsas vestidas metade-homem e metade-mulher, numa espécie de vestido de cartolina laranja. Se no clipe do Chemical Brothers, a mulher ‘múltipla’ representa o status quo da mulher independente e sonhadora, que ocupa vários lugares ao mesmo tempo como forma de poder, no clipe de Mika, a mulher representa um papel secundário, desprezado por esse 'Alex', reforçando o caráter misógino e de isolamento do videoclipe, até mesmo criando um universo andrógino, que com certeza dialoga com o clipe em si e com boa parte do público do cantor. É um cenário colorido, e muito, porém um segundo olhar nos traz a tona como essas cores são sem vida, pálidas, apáticas mesmo. Na verdade tudo é uma ironia. A letra da música se encaixaria perfeitamente dentro de uma balada melosa, triste, mas ao invés disso, Mika compõe um pop agitado, sacana, uma verdadeira zombaria do homem em crise. E a dúvida que se segue devido às cores (estamos em um cenário alegre ou triste?) somente reforça esse aspecto sagaz, irônico e contraditório. Não podemos nem afirmar que o piano rosa e as danças de Mika são mensagens explicitamente gay, pois tudo é posto em xeque para que o expectador faça a sua interpretação.



Nas três categorias que Arlindo Machado cita em seu livro ‘A Televisão Levada a Sério’, provavelmente ‘Blame It On The Girls’ se encaixa na segunda categoria, em que Machado diz que o videoclipe ‘aliado a compositores e intérpretes mais ousados, logrou transformar esse formato de televisão num campo vasto e aberto para a reinvenção do audiovisual’. É claro que vários clipes nesse formato de releitura de obras de cinema e ou literatura já foram realizados, é um tipo de trabalho longe de ser algo original, afinal, como se esquecer dos clássicos ‘Material Girl’ de Madonna e ‘Tonight Tonight’ do Smashing Pumpkins, e também dos mais recentes ‘Wind It Up’ de Gwen Stefani e ‘What Are You Waiting For?’ da mesma intérprete?. Entretanto, em um tempo em que o videoclipe sofre de falta de conceitos inteligentes, especialmente de artistas que estão dentro do grande circuito do pop/rock, um clipe que constrói uma cuidadosa significação entre a letra e o que nos é apresentado na tela com certeza é motivo de celebração.

Se formos pensar na ainda recente carreira de Mika, o artista continua surpreendo com seus trabalhos ao mesmo tempo ousados e comportados, que não passam de jeito nenhum perto de qualquer tipo de censura. É o cantor ‘bonzinho’ que precisa sempre de um segundo (ou até terceiro) olhar para que sua mensagem sardônica seja entendida. O uso do sampler já tinha sido feita por ele na música ‘Grace Kelly’, um de seus maiores hits. Na música, Mika também retira um trecho de fala de um clássico (dessa vez ‘Amar É Sofrer’ e a fala é de ninguém menos que da própria Grace Kelly) para compor uma canção em que também há um homem em crise querendo/tentando ser vários ‘alguéns’ para atrair sua amada, nem que para isso ele precise ser a princesa de Mônaco.

O público de Mika parece aceitar e gostar bastante dessas referências. Provavelmente é um público mais seleto, que também curte literatura e cinema, e consegue sacar as jogadas do artista. Se ele continuar assim, dificilmente cairá nas mesmices de artistas como Britney Spears, que se encaixaria na primeira categoria de Machado, a de fazer clipes somente para vender discos.

Videoclipe:

http://www.youtube.com/watch?v=iF_w7oaBHNo

Por Gian Luca

13/05/2011

g.lefou

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Ejaculation


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Tatoo

Ideology








Onipresent















Nothing



















Gian Luca