Charles Chaplin abriria a década de 40 com um dos maiores filmes sobre a Segunda Guerra Mundial: o seu O Grande Ditador é um filme com uma crítica direta e ferrenha aos regimes totalitários que estavam dominando boa parte da Europa. Depois dele, outras obras abordariam essa fase, como Casablanca, Ser ou não Ser, o neo-realista Roma Cidade Aberta, Rosa de Esperança e talvez o melhor dessa década, Os Melhores Anos de Nossas Vidas. O filme do grande William Wyler (Pérfida, Ben-Hur, Jezebel e o já supracitado Rosa de Esperança) não mostra campos de batalhas e nem nenhum tipo de regime totalitário, pelo contrário, a obra aborda o término da Segunda Guerra e algumas conseqüências do maior conflito do século XX, mais especificamente o que ocorre na vida de três militares que voltam para os Estados Unidos e tentam se reabilitar a sociedade. Apenas o tema do filme já vale a sessão, mas Wyler cria uma obra contundente, explorando cuidadosamente vários aspectos interessantíssimos.
Os militares são o general Al Stephenson (Fredric March), o mui belo Fred Derry (Dana Andrews) e Homer Parrish (Harold Russel). Fred foi para a guerra deixando sua mulher e seu emprego numa sorveteria; quando volta, ele já não possui e nem quer mais o mesmo trabalho que não considera nada excitante levando em consideração o que passou no grande conflito, sua mulher está trabalhando em um clube noturno duvidoso e ele ainda sofre com pesadelos por causa dos trágicos acontecimentos da Guerra. Al volta para a sua amorosa e unida família, mas sua mulher, Milly (Myrna Loy), chega a se sentir desconfortável com a presença do marido depois de tanto tempo de ausência, apesar de amá-lo indubitavelmente, até seus filhos, Peggy (Teresa Wright) e seu irmão mais novo, agora maduros, irão precisar 'se acostumar' com a presença do pai. E por último temos Homer, que foi quem mais sofreu com o conflito entre os três, perdendo as duas mãos; à sua espera está a namorada e a família.
O desenrolar da película é bastante lento, principalmente na primeira metade, mas esse não é um aspecto negativo, poderia ser na mão de algum outro diretor que não tivesse o controle total de sua obra e, por conseguinte se perdesse em seu próprio trabalho, mas não é isso que acontece com Wyler. O diretor mostra calmamente o desenrolar do primeiro dia após a chegada dos combatentes em solo americano: a chegada de Al em seu belo apartamento e a inquietude do veterano, inquietude essa que acaba o levando, juntamente com sua família, para os bares da cidade, numa atitude desesperada de se sentir civilizado outra vez, citando suas próprias falas. Homer sente que sua família está obviamente triste devido à perda de suas mãos, mas todos agem da forma mais natural possível e a namorada não deixa de amá-lo por causa disso, porém, Homer cria em sua mente uma espécie de rejeição por si próprio e também uma auto-piedade, e acaba se afastando das pessoas que ama. Já Fred nem consegue encontrar sua esposa e frustrado, recorre a um bar para afogar as mágoas. Lá ele encontra Al e família e também Homer, cujo primo, Butch, é dono do bar.
Como já dito, o desenvolvimento é bem gradual, o espectador é dado à chance de sentir os pormenores da vida de cada um e temos tempo de nos colocarmos no lugar deles e de pensar sobre como reagiríamos em cada situação. Mas não pense que Os Melhores Anos de Nossas Vidas é de todo trágico, ao contrário, a obra é pontuada com várias cenas agradabilíssimas, como por exemplo, os diálogos maduros e consistentes e a relação familiar aberta e de cumplicidade entre os Stephenson (uma das famílias mais adoráveis já vistas no cinema, assim como a de Adivinhe Quem Vem Para Jantar). A relação que se estabelece entre Peggy e Fred é muito gostosa de acompanhar, claro que há os já esperados conflitos, mas nada que não saibamos como vai terminar. A relação do casal Stephenson também é muito bem desenvolvida. Por sua vez, Homer e sua namorada apresentam umas das passagens mais belas do filme ao final da projeção, apesar do casal ser pouco explorado no primeiro e segundo ato, Wyler prefere explorar a amargura de Homer com outros aspectos, mostrando-o sozinho ou conversando sobre suas angústias com Butch ou Fred.
Falando agora um pouco sobre a crítica que o filme carrega, talvez essa tenha sido a primeira obra (ou a mais relevante e conhecida) que abordou um tema tão obscuro como o aspecto psicológico dos militares após o fim desse combate que deixaria tantas marcas mundo afora. Quando voltam para seus lares, eles se sentem descolados, inseguros, tem pesadelos e sofrem com a hostilidade dos que o viram como grandes heróis e agora os desprezam quando tentam voltar à vida civil (como é o caso da namorada de Fred, que perde todo o 'encanto' por seu 'herói' ao se dar conta que ele está completamente duro e perdido). Al volta para seu emprego como bancário, mas sofre dilemas morais quando um colega de combate vai pedir um grande empréstimo sem nenhuma garantia a oferecer; Fred demora em conseguir um bom emprego, na verdade ele procura algo sem saber exatamente o que procura, e assim acaba voltando ao antigo trabalho, devido à falta de instrução e experiência para outras funções. A situação de Homer é sem dúvida a mais trágica, afinal, se hoje alguém que possui algum problema físico ainda vive grandes dificuldades, principalmente no quesito trabalho, imagine na década de 40 quando o governo, nesse caso o americano, não dava o suporte necessário para seus ex-soldados, principalmente o apoio psicológico. E é essa falta de suporte que Wyler mostra em seu filme, mas sem apelar para discursos moralistas, o ritmo natural e verdadeiro da obra dispensa qualquer diálogo que pecaria para uma explicitação verbal desnecessária, uma verborragia tão comumente usada em filmes atuais. Até o título não é tão auto-explicativo quanto parece, afinal, que melhores anos são esses? Os anos antes da Guerra, os anos durante ou os anos que se seguirão?
Os Melhores Anos de Nossas Vidas ganhou Sete Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção. Muitos consideram injusto o prêmio de Melhor Filme devido a uma das obras americanas mais lembradas que também concorria naquele ano: A Felicidade Não Se Compra, mas, ao contrário de muitas absurdidades envolvendo a história do Oscar, a vitória do filme de Wyler pode ser justificada devido ao seu caráter inovador e crítico, uma obra que trilhou um caminho ainda bastante desconhecido na época (talvez esse fator também justicasse a vitória de Farrapo Humano no ano anterior, obra de Billy Wilder considerada menor), diferente da obra de Frank Capra, que apesar de inquestionavelmente fabulosa, não trazia nada de novo. As fervorosas mensagens de felicidade de Capra já tinham recebido um merecido Oscar de Melhor Filme em 1938, com sua obra Do Mundo Nada Se Leva. A mensagem de Willer era muito mais urgente para a nova sociedade americana que se formava, dando total credibilidade ao prêmio máximo daquela noite.
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