- Então, pule!
Em 1966, Mike Nichols transportou para as telas a peça teatral de Edward Albee Quem Tem Medo de Virgínia Woolf, um filme que se passa em apenas uma noite na casa de um casal (Elizabeth Taylor e Richard Burton) que troca insultos todo o tempo, das formas mais irônicas possíveis e com uma verdadeira ânsia de ferir o parceiro. Verdades amargas vêm à tona e feridas vão sendo expostas no desenrolar da fita. A obra rendeu o segundo Oscar para Elizabeth Taylor e ficou marcado pelo baixo calão das palavras usadas pelos personagens. Alguns anos antes, o diretor Richard Brooks realizou um filme com uma vertente parecida. O roteiro, também feito primeiramente para o teatro, foi escrito por Tennessee Williams (conhecido pela sua acidez ao tratar temas delicados) e com a colaboração do próprio Brooks. Williams ganhou o prêmio Pulitzer tanto por Gata em teto de Zinco Quente quanto por Uma Rua Chamada Pecado, ambos tratando de temas parecidos, como o alcoolismo, o desajustamento familiar e a violência (tanto física quanto verbal). Todos os três roteiros são felizardos nos diálogos maravilhosos e genuínos, que descamam os personagens sem dó nem piedade.
Vamos à história de Williams e Brooks. Brick Pollitt (Paul Newman) é um ex-jogador de futebol que se entregou ao alcoolismo depois de sofrer um acidente que o deixou impossibilitado de continuar a jogar e também por perder seu melhor amigo. Seu casamento com a estonteante Margaret (Elizabeth Taylor), conhecida como Maggie The Cat está indo por água abaixo e o rico pai do ex-jogador, Harvey Big Daddy (Burl Ives), com quem Brick mantém uma péssima relação, está com os dias contados. Além disso, o irmão de Brick, Cooper (Jack Carson) e sua irritante esposa, Mae Flynn (Madeleine Sherwood), juntamente com os seus endiabrados cinco filhos, fazem de tudo para agradar Harvey e a esposa, Ida Big Momma (Judith Anderson) a fim de se apoderarem da herança. Assim como no filme de Nichols, todos esses problemas e questões mal-resolvidas virão à tona em uma única noite, na festa de aniversário de Big Daddy.
A cena inicial mostra Brick completamente sozinho em um campo de futebol à noite, pulando barreiras e imaginando uma torcida aos berros. Essa primeira seqüência é um grande e pertinente prelúdio que nos prepara para a intensidade da história que está por vir e seu tema central: a desilusão. Logo depois dessa cena, Brick aparece de muleta, deitado e bebendo no quarto da casa de seus pais, já é claro que o homem virou um alcoólatra para fugir do sofrimento. Na mansão somos apresentados aos outros personagens. Apesar de Brick ser um homem bastante problemático e cheio de questões mal-resolvidas, Maggie é a personagem mais interessante do longa. Assim como sua cunhada Mae, ela mantém um olho na herança da família, mas em contrapartida, Maggie não rodeia os sogros como um abutre, ela apenas não quer envelhecer na pobreza e nutre um afeto sincero por Harvey. O roteiro é bem-sucedido em não tornar Maggie uma vilã, mas também em não vitimá-la, mesmo quando mendiga pelo amor de seu marido. O filme também é ousado em explicitar o maior problema da relação entre Brick e Maggie (a falta de sexo, mas sem descer o nível como em 'Virgínia Woolf'), e mesmo quando tenta se esquivar das insinuações homossexuais do roteiro original, o espectador permanece na dúvida sobre a real relação entre o ex-jogador e seu melhor amigo suicida.
O segundo ponto forte da obra é a relação entre pai e filho. Harvey sempre esteve preocupado em apenas enriquecer e encher sua família com bugigangas e viagens caras, e como era de se esperar, esqueceu de dar amor e de dialogar com os filhos. Quando os dois finalmente têm a conversa derradeira, ressentimentos e verdades não ditas são postas na mesa. É interessante notar que Brick não tenta atacar seu pai apenas verbalmente, mas também tenta literalmente pular em seu pescoço, suas tentativas são sempre frustradas por causa de sua condição física, e sempre que Brick cai no chão aos pés do pai, fica a impressão da impotência de um balzaquiano que ainda não aprendeu a viver num mundo hipócrita e cheio de falsidade, algo que Harvey, devido a sua experiência de vida, já conseguiu. Mas em ambos os casos, a desilusão é o sentimento mor, seja na negação ou na aceitação do mundo como ele é. Brick, assim como fez o pai, precisa aceitar a vida, mas Harvey ainda tem que encarar o passado e repensar suas atitudes. O filme é sobre desilusão mas também é sobre o conformismo inevitável diante da crua realidade, é o aplacar da fúria, só que a ferida precisa ser exposta antes do curativo ser colocado. A prestação de contas no porão da casa faz uso de um recurso imagético redundante (o porão está cheio de objetos empoeirados e com teias de aranha adquiridos ao longos dos anos), mas mesmo assim a seqüência funciona devido ao poder dos diálogos, que nunca perdem a força.
Enquanto a conversa rola do porão, Cooper e Mae rodeiam Ida, uma mulher forte e devotada ao marido apesar da falta de reciprocridade, para que ela assine um documento que garante a posse da herança. Não há nenhuma compaixão ou afeto por parte do casal, apenas as frustradas tentativas de agradar o patriarca com segundas intenções. Enquanto Mae organiza um desfile com seus filhos para dar uma histriônica boas-vindas para Harvey, Maggie consegue conquistá-lo apenas com sua presença, algo que Mae, com seu rosto franzinho, não consegue nem de longe. Brook cria um contraste genialmente irônico entre as mulheres devido a essa atração carnal que Maggie exerce sobre Harvey, que dá a ela um grande poder e influência, mesmo sem ter ainda gerado nenhum descendente.
Além dos diálogos dilaceradores, o filme ainda conta com uma direção segura de Richard Brooks, que nunca se sobrepõe aos atores (afinal, estamos falando de uma adaptação de uma peça teatral) e fortes interpretações por parte de todos os personagens, mas o destaque maior vai mesmo para Paul Newman e seu inacreditável par de olhos azuis, que concorreu ao Oscar de Melhor Ator, e o grandioso Burl Ives, a melhor escolha para um magnata pai de família. Talvez o filme peque apenas por sutis deslizes em algumas passagens dialogais, como naquela em que o título do filme se justifica, mas não deixa de ser uma passagem válida, apenas poderia ter sido conduzida com menos precocidade e nervosismo.
Do mais, Gata em Teto de Zinco Quente é um filme maravilhoso e intencionalmente incômodo, daqueles que não se veem mais hoje em dia por fazer uso, sobre outras coisas (que deixo para o espectador perceber) da estética teatral. Vale a conferida.
Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966)
- Você nunca mais ouse falar mal de Maggie e Brick, sua vadia!
- E quem vai me impedir? Você, seu bosta? What a dump!
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