Recent Posts

20/05/2010

Ladrões de Bicicleta (1948)

Uma história sem culpados

O cinema italiano, já em 1905, lançou dramas de época bem-sucedidos, com grandes cenários e novas técnicas de filmagem, o sucesso foi tanto que influenciou grandes cineastas americanos, como D.W.Griffith e Cecil B. DeMille. Com a chegada da 1ª Guerra Mundial, os estúdios foram fechados, e apenas após o término da 2ª Grande Guerra o cinema italiano ganhou novas forças com um movimento que influenciaria cineastas de todo o mundo (inclusive no Brasil): o neo-realismo.

O neo-realismo consistiu num movimento onde os diretores e roteiristas realizavam seus filmes focando-se na população pobre, faminta e desesperada. As obras eram filmadas em locações reais, com luz natural e atores amadores, principalmente. Até mesmo pessoas sem nenhuma relação com a Sétima Arte poderiam fazer parte do elenco, como o que aconteceu na maior obra de Roberto Rossellini, Roma, Cidade Aberta, um dos maiores representantes do movimento, em que verdadeiros soldados nazistas apareciam no filme. A Itália devastada pela guerra era o pano de fundo do movimento para contar histórias de pessoas anônimas. Desde pescadores a fazendeiros, o sofrimento era o cerne de cineastas como Rossellini, Luchino Visconti (Rocco e Seus Irmãos) e Vittorio De Sica, que tem a sua maior obra criticada aqui. Esses diretores retomaram alguns aspectos utilizados no início do século para fugir do cinema aristocrático, superficial e propagandista dos anos 30.














Em Ladrões de Bicicleta, De Sica nos conta a história de Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), casado com a trabalhadora Maria (Lianella Carell) e pai do pequeno Bruno (Enzo Staiola). Quando tudo parece estar desmoronando, uma oferta de emprego para Ricci ilumina a vida da pobre família. Ricci é contratado para pregar cartazes pela cidade, o problema é que o uso de uma bicicleta é imprescindível para o trabalho e Ricci não possui uma. Maria então penhora todos os seus melhores lençóis e com o dinheiro, Ricci consegue a bicicleta. A tragédia acontece logo no primeiro dia de trabalho, quando Ricci tem sua bicicleta roubada enquanto está pregando o cartaz da atriz Rita Hayworth (grande atriz dos anos 30 que ironicamente tem sua imagem glamurosa exposta em meio a um ambiente quase miserável). O desgraçado sujeito parte numa busca desesperada pela cidade, com a ajuda de seu filho, eles passam o dia em busca do único meio de sustento, indo de um lado para o outro em um bairro operário de Roma.













A obra de De Sica merece o status de ser uma das melhores da fase neo-realista. O desespero de Ricci quando tem sua bicicleta roubada é devastador, de sentir na pele. Quando Maria descobre o ocorrido, sua face demonstra um sofrimento tão real quanto uma facada no estômago. Os lugares e pessoas que Ricci e Bruno conhecem também fazem parte da proposta do neo-realismo. Pai e filho seguem um velho para obter informações sobre o ladrão, e assim entram numa igreja onde, além de missas, há distribuição de comida para os pobres. Os dois também passam por uma feira livre, onde peças de bicicletas roubadas são vendidas, um mercado negro a céu aberto. Há também reuniões de desempregados nos lugares subterrâneos da cidade e uma vidente que é um ponto de apoio para as almas amarguradas, tudo filmado em lugares reais. Numa pizarria há o momento pungente do filme quando os dois dividem uma pizza, Bruno olha para a mesa ao lado e vê fartura na mesa de uma família sorridente. A realidade é corrosiva, incômoda, sufocante.

Como culpar o pobre velho faminto de não querer delatar o ladrão da bicicleta? Como julgar a vidente charlatã? Como acusar o ladrão da bicicleta? Afinal, ele estava tão necessitado quanto Ricci, e o próprio Ricci não tentou roubar uma bicicleta, no auge de seus desespero, jogando no lixo qualquer dignidade e vergonha que ainda restava? O final de 'Ladrões de Bicicleta' é sem dúvida um dos mais fortes e pertubadoramente reais já realizados. Os ditos 'ladrões' são, na verdade, vítimas, que vivem dentro das poucas possibilidades em meio ao caos pós-guerra. E o papel de um dos maiores movimentos dentro do Cinema foi justamente mostrar a vida dessas vítimas, jogadas para o espectador como um soco no estômago, a vertente mocinho vs. bandido se torna estúpida. E pensar que David O. Selznick ofereceu a De Sica a produção do filme com Gary Cooper no papel principal...

1 comentários:

Juan Moravagine Carneiro disse...

Um dos filmes que mais gosto...

Belo post!

abraço