Disque Butterfield 8 (1960)

Em Bonequinha de Luxo a personagem de Audrey Hepburn, a prostituta Holly Golightly, é praticamente um objeto imaculado tamanho o esforço do roteiro em minimizar o lado nada puritano da moça. Diferente do filme dirigido por Blake Edwards, Disque 8 Butterfield (o título em português já diz muito), de Daniel Mann, é o oposto no que diz respeito a forma como a garota de programa, Gloria (Elizabeth Taylor), é retratada.

Gloria quer mudar de vida, porém vive em constante conflito com seus atos. Isso é evidenciado na clássica sequência inicial, em que ela acorda na casa de Weston Liggett (Laurence Harvey), homem casado, e rouba o casaco de pela da esposa, mas escreve no espelho com letras garrafais: Não estou a venda!. Entretanto, Gloria não abre mão do casaco e nem do dinheiro deixado na mesa da cabeceira. O que ela quer afinal? Será um caminho árduo até a moça resolver esse impasse.















Notável a dimensão dada à personagem de Taylor. A prostituta mantém uma amizade sincera e sem segundas intenções com o amigo de infância Steve Carpenter (Eddie Fisher), frequenta o analista em busca de aconselhamentos e dolorosamente se empenha em buscar estabilidade nos braços de Liggett, que também deseja outra vida, e não mais a de executivo velho e inútil (como ele mesmo se define) casado com a filha do patrão. Quanto ao seu trabalho, Gloria gosta de estar no controle, não aceita qualquer oferta, e escolhe a dedo os homens com quem vai para cama.

O filme tem diálogos afiados e reveladores, e é o tipo de obra ideal para Elizabeth Taylor. A atriz consegue transmitir um certo cinismo como nenhuma outra atriz, oscilando seu caráter e nunca impondo apenas uma definição para a personagem, tanto em Disque 8 Butterfield quanto em outros em que ela intepretou mulheres ordinárias de caráter dúbio (Gata em Teto de Zinco Quente, Quem Tem Medo de Vírgina Woolf? e O Pecado de Todos Nós são ótimos exemplos). Provavelmente Taylor é a diva do cinema que mais se aproxima do público, principalmente por causa dos papéis livres de maniqueísmos que comumentemente foram dados a outras grandes divas em prol da figura, mas também pelo seu sotaque, afetação e postura. Elizabeth Taylor passa a imagem que está disposta a apanhar da vida, a se rebaixar ao nível mais degradante. A atriz ganhou seu primeiro Oscar de Melhor Atriz por esse filme.






























Os coadjuvantes são importantíssimos para ajudar na modelação de Glória. Tanto a esposa de Liggett, Emily (Dina Merrill), quanto a namorada de Steve são o oposto, o tormento e a motivação da prostituta e nesse caso, a primeira é essencial para a derrocada da personagem, que perde (literalmente) a única chance de sua vida ao se intimidar com a imagem inalcansável de Emily. Aliás, o roteiro é astutamente cruel de uma forma pouco vista (principalmente naquela época) pela maneira como joga com o destino de Gloria.

Disque 8 Butterfield é uma obra mais que suficiente, apesar do baixo tratamento de algumas vertentes, como a namorada de Steve, que tem atitudes bastante contraditórias e formam um personagem falho, e a trilha sonora nos moldes apenas corretos e convencionais dos dramas cinquentistas. Entretanto, a discussão principal é tratada contundentemente e Taylor se encontra perfeita num papel feito sob medida.