Já que me pergunta, a maioria dos dias não posso lembrar.
Ando vestida, sem as marcas dessa viagem.
Desde a quase inominável lascívia regressa.
Inclusive nada tenho contra a vida.
Conheço bem as folhas da erva que menciona,
o móvel que você colocou ao sol.
Mas os suicidas têm uma linguagem especial.
Como os carpinteiros que querem saber quais ferramentas.
Nunca perguntam por que contruir.
Duas vezes, simplesmente me declarei assim,
possuí o inimigo, comi o inimigo,
dominei sua arte, sua magia.
Deste modo, intensa e pensativa,
mais quente que o óleo ou a água,
descansei, babando pela boca-buraco.
Eu não penso em expor meu corpo à agulha.
Até a córnea e o restante da urina se perderam.
Os suicidas já traíram o corpo.
Natimortos, nem sempre morrem
mas estonteados, não podem esquecer uma droga tão doce
que até crianças olhariam com um sorriso.
Enfiar toda essa vida língua abaixo! --
que, por si mesma, transforma-se em paixão.
A morte é um osso triste, contundido, você diria,
e ela ainda me espera, ano após ano,
para delicadamente saturar uma ferida antiga,
para libertar minha respiração de sua prisão maligna.
Balançando-se alí,os suicidas às vezes se encontram,
furiosos ante o fruto, uma lua inflada,
deixando o pão que confundiram com um beijo,
deixando a página do livro descuidadamente aberta,
algo não dito, o telefone fora do gancho
e o amor, tudo que tenha sido, uma infecção.
3 de fevereiro de 1964
Anne Sexton (1928 - 1974)
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1 comentários:
Nossa, achei o teu blog bacanérrimo!!!! e já deixei alguns comentários...
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