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30/10/2010
Um dia
Já fraco de respirar integridade e respeito
Invade minha casa como um mendigo - retraído retraído
Eu sempre tenho coisas mais importantes a fazer do que me importar
Mas hoje é diferente
Hoje eu fiz algo diferente
Como fazem os deuses
Hoje é o meu dia de não ser leite, nem biscoito, nem corte
Hoje serei formal como um executivo
Hoje eu serei você
Meu vestido violáceo
Tão certo como uma professora do primário
De ontem à noite ainda
Eu de quatro como uma anta - a memória é um cancêr
E hoje grudada no sofá como esperma seco
Uma caixa vazia estende-se ao meu lado
Ela chegou pelo correio
Embrulhada em papel amarelo
Cor de fraqueza, de vômito, de morte
A caixa é preta
Uma mulher mais importante já teria jogado a caixa fora
Embrulho de cor de pequenas virgens, sem remetente
Lisa, perfeita
Nada teatral obviamente
Não há arte em entregas de caixas vazias
Nem em caixas vazias para mulheres importantes
Mas a caixa me encara como um filho universitário
Não é fácil se desfazer de filhos
Apesar de que, por coincidência,
Eu ter me desfeito de um hoje
Mas ele não era universitário
Como foi fácil falar sobre isso!
Como se o sangue seco no quarto azul enjoativo
Tivesse se tornado uma obra de arte
E o bebê duro sobre a cama
Uma espécie de mictório de cabeça para baixo
Assinado: Bastardo
A caixa não era como a de Plath
Nem tinha bombons de uma avó recuperada
Era vazia, vazia, vazia
E tinha chegado a mim como um bonde
Sem desejo
Eu tinha um enterro para me preocupar
Enterros são ocasiões limpas, dóceis
Impregnados de ontens
Ontem eu de quatro como um anta
Fazendo biscoitos
E meu vestido violáceo
Pensar o que fazer com a caixa e
Enterrar
Muito trabalho!
Dia útil, finalmente!
Não quero acordar amanhã
Quero enterrar e encarar caixas vazias para sempre
Mas a caixa começa a me perturbar um pouco
Como aquelas conversas que duram mais do que quinze minutos
Eu tenho dificuldade em matar conversas
Mas é mais fácil do que se desfazer daquela caixa
Inviolável como todas as religiões
Há o enterro, o enterro!
Há de ser correto como uma missa dominical
Sem sustos, sem poesia, sem verdade
Deixo a caixa sozinha
E ela chora como um padre
No quintal eu sou a mais importante
O vento frio é uma praga de Deus
Que nos corta como a rotina
Que nos faz doentes como beatas
Esqueci a bíblia na casa ao lado
Há um serafim de porcelana na casa ao lado
Terrível como um marido gordo
Negro, verde, azul
O enterro me pareceu um esforço familiar
Daqueles que, depois que passam, parecem nunca ter existido
Eu nunca enterrei um bebê
Eu nunca fiz nada tão importante quanto isso
Negro, verde, azul
A terra tão perfeita, sem sujar as beiradas
A caixa não chora mais
Ela virou uma caixa vazia
Donzela no sofá carcomido
Amante, mãe e justa
Eu ainda não sei se ela me mata
Mas eu acho que vou ser obrigada a me livrar dela
Veja você:
Nada disso aqui é meu
Nem meu bebê era meu
Foi apenas uma questão de contrato
Acho que havia um homem de preto e duas mulheres gordas também...
Ele é como uma mulher importante
O rosto vermelho como uma salsicha
Poucas palavras, poucos acontecimentos
Um prato de sopa e metade de um talk-show
Ele nem vai reclamar muito do enterro
Vamos discutir mais por causa da caixa
Veja você:
Uma caixa vazia nunca chegou para mim pelo correio
É certo que eu também nunca matei um bebê
Mas uma caixa vazia nunca chegou para mim pelo correio
Já chegou flores, cartas, livros, bombons
E bebês morrem toda hora
Pessoas matam toda hora
Existe algo de bíblico no ato de matar
Como uma reza sincera
Então tudo bem
Mas caixas vaziam nunca chegaram para ninguém
Absurdo demais
Agora veja você:
Como eu vou me desfazer dela?
Gian Luca
25/10/2010
Vídeo da Exposição Vaga-Lumes
O poema abaixo é o primeiro dos três que compõe o trabalho fotográfico/poético:
Um questionamento
Ele tem uma habilidade imprestável
Invejável? Talvez -
Ele sabe se isolar muito bem
Poucos seres humanos têm a coragem
Eu não vou dizer que ele não sofre
Eu não vou dizer que é apenas um processo
Eu não vou dizer que é para sempre
Ele se isola – E pensa, pensa, pensa
Eu acho que na rua, em casa, no trabalho, com os amigos
Ele se veste muito bem de ser humano
Faz parecer real, faz parecer mágico
E as pessoas o suportam com certo interesse
Mas eu acho que ele não quer ser apenas suportável
Ele tem uma meta falsa a cumprir
Aquela meta que as pessoas matam no berço
Ele a deixou escapar – O acaso é um puto, às vezes
O quarto é mais que um quarto
Só ele sabe – Só ele sabe muita coisa
Metafísica, Deus, pessoas, futuro
Não, ele não sabe sobre isso. Não
Ele se vestiu como um artista de cinema
Ou como um tolo
Uma espécie de desejo infantil
Acho que todo gênio é infantil
Eu acho mesmo é que ele se cansou lá de fora
Ele se cansou de engolir faróis, gente, responsabilidades
A boca pequena engasgando radiação
Um câncer de nascença e uma família para curar
Expelido como deuses num mundo velho
Sem poesia, sem desejos, sem sexo, sem destruição
Apenas passageiros balançando moles como bebês
E ele duro e selvagem como uma imagem
O quarto não é uma saída
O quarto também faz parte daquele mundo
Pequeno mundo, não-mundo, real mundo
Aos poucos caindo nas garras pretas do nada
Como o nada o persegue! Um abutre estufado!
Vestido de mentiras, de crianças, de justos, de mães
O seu único apoio sincero um guarda-chuva
Mudo e confiante como uma viúva
O telefone naquele recipiente de certezas
Estava pela metade (tudo está pela metade)
Ele tinha comido os fios – os cordões umbilicais
Revirando no seu ventre como um futuro infectado
Que o deixou estéril como uma estátua
Como a vida não foi o que ele queria!
Vida? Que vida?
Como ele queria que a vida tivesse sido?
Tudo, menos aquilo que é – Ou aquilo que seria provavelmente
Com esperança, sem esperança
A espera é a mesma
Os homens estão condenados a esperar
Amanhecer, anoitecer, morrer, o sol
Santo ou Chaplin – Naquele quarto é tudo a mesma coisa
Na verdade tudo é a mesma coisa a todo o tempo
As mesmas doenças, as mesmas decepções, os mesmos empregos
As mesmas desilusões, os mesmos sonhos, as mesmas percepções
Vamos encarar: o mundo é um saco de anjos
E ele, real demais, demais!
O problema dele sempre foi ser real demais
O mundo não suporta pessoas reais
As pessoas reais não suportam as pessoas reais
Ele é, ele é – Um grande deus
Uma máquina perfeita de ossos e brancura
Estendendo-se sem avidez e apático como um tapete
Como um homem de sucesso
Só eterno e insuportável.
15/10/2010
Exposição Vaga-Lumes!
Fotografias de Ald Junior juntamente com poesias de Gian Le Fou (foto) serão apresentadas dia 23, sábado, no espaço cultural Casa Aberta, Vitória.
A exposição Vaga-Lumes é um trabalho de introspecção humana que mistura poesia e fotografia e que tem como ponto central a melancolia gerada a partir da solidão, solidão essa que não determina a vida de ninguém e nem sela o futuro, mas um sentimento que faz parte de todos. O trabalho é carregado de várias interpretações, através das simbologias imagéticas e poéticas, e que serve como reflexão para as mentes que gostam de pensar a fundo.
O vídeo-teaser já foi postado aqui, mas postarei mais uma vez para quem não viu e também como forma de promover uma visão mais ampla do projeto:
14/10/2010
Uma sedução
Você me estancou, meu querido
Você me estancou com vontade
Você me estancou como se eu fosse uma mulçumana
Como se eu não fosse feita de luz
Como se eu fosse uma boneca nova
Você me estancou e meu azul virou uma pérola
Eu passei anos aninhada como alcatrão
Sombras, sombras, sombras
E os espinhos crescendo como bebês
Você com essa sua cara de trabalhador, honesto
A sua luz é luz de farol, de máquina, de motel
A minha luz é pura como a da Virgem
Mas você a estancou
Passei anos fechada como um ovo que não apodrecia
Eu estava grávida de um hipopótamo
Ou de um esquilo
Ou de um formaldeído
Nem o sal melhorava meu enjôo
E olha que eu tentei
Eu pensei que aquele nosso quarto iria nos devorar
Como as mães devoram os filhos
Você estaria dormindo, é claro
Você dorme como uma enfermeira
Você dorme como um homem
E eu sou a árvore negra e a árvore negra
Os frutos verdes e vermelhos – Os frutos pretos
Uma árvore natalina
Eu consegui fingir por muito tempo
Eu finjo como uma dona de casa
Mas a minha luz tem água
Você esqueceu de me secar
Como as mães esquecem os filhos
E você, branco cálcio
É de material utilizável
Você não é totalmente imprestável
Eu te curei, eu te curei
Com os meus galhos eu vou te agarrar
A Lua morta nem liga
Ela está ocupada em ser eterna
Algo vai se partir - Alguma coisa sempre se parte
Em nós
Você irá ser destruído apesar
Acetileno acetinelo
Se foi como o degelo
Lento como a morte
Você não é mais meu polônio
Agora a minha luz jorra como Chernobyl.
Gian Luca
09/10/2010
A mulher
naquele quarto que era como uma caixa de sapato
em chamas
abafado como uma igreja
esperançoso como uma bíblia
nunca mais ouvimos música
nunca mais lemos um livro
você parecia tão real
eu era real - real
eu era feita de línguas e olhos e mãos
como os bebês são feitos
você era feito de imaginação de mulher
a louca
a cicatrizada
a esperta
a carente como uma estudante
você era o homem de perfil
puro como um velho
que explodiu
em confissão.
Gian Luca
08/10/2010
Afirmação
Amigo, como nos amamos!
Você, um prato de cobre
Eu, uma pomba de rua
Você é corajoso como um nazista
Você é corajoso como um homem
Você é corajoso como uma mulher
Você é corajoso como uma criança
Você é corajoso como um idoso
Você é corajoso como um paralítico
Você é corajoso como um mendigo
Você é corajoso como um classe-média
Você é corajoso como uma pessoa rica
Amigo, como nos amamos!
Você conseguiu não me criar
Eu sempre fui demais, demais
Demais para você
Uma gota de sangue negro no olho
E um quase-suicídio
Uma quase-poesia
Esses quases são demais para você
Você não poderia ter criado alguém como eu
Não, não, não
Definitivamente
A suas criações são completas e só
Eu sou algo mais
Minhas fezes infeccionam um passante.
Gian Luca
07/10/2010
Passado
É difícil algo me chamar atenção
A maioria das coisas é uma parede
Pintada por crianças imbecis
A careca da mulher era como uma omelete de presunto em prato branco
O lenço que cobria o erro parecia uma cobra magra faminta
Querendo se esquivar para ilustrar outro erro
Outra pessoa, quero dizer
Eu segurava meu livro, meu infinito
Como se ele fosse uma pílula pra dormir
Eu já iria sentar
Para ler uma história interessante
Tudo o que a mulher via era como um glóbulo colorido
De formas e cores bem definidas
Tão definidas como uma lápide
Tão real que ela jamais alcançaria
Tudo o que ela havia tocado até aquele momento
Havia queimado como o hálito de um bêbado
Família, amigos, colegas de trabalho
Ela não teve como controlar
O mensageiro da doença
Esbranquiçava seus olhos
Um ir e vir
Como a contração do ânus
Eu era como um xamã
As crianças grudavam em mim
Como se eu fosse um pirulito rosa
A mulher teve a chance dela
Ela teve.
Gian Luca
06/10/2010
Na parte velha da cidade.
Vermelha como o nascimento
Na praça
Eu nunca fui ou deixei de ser ou nunca serei
Eu sou
Minha retina branca de ver tudo
Cada ser humano um aniquilamento
Cada prédio algo mais
Cada animal Deus
As formigas são companheiras do silêncio
Elas não me devoram como fazem os pais
Eu sou a criança-pérola, não sou de criança nenhuma
As minhas companheiras passam por mim como o destino
O sol irradia, somos iguais
Alguns de seus raios se escondem
Por debaixo das minhas juntas como vermes
Obviamente eles não irão me destruir
Como farão com você, meu admirador
A grama por debaixo dos meus pés
É tão diferente de uma língua materna
Ela é aparada todo mês, ela não me corrompe
Não me tapa um tiquinho sequer
Eu sou a estátua, a estátua
E eu sou a Arte, a Eternidade, a História,
A Passagem, a Indiferença, a Admiração, a Insensatez,
O Mundo
Eu sou Deus, quero dizer.
Gian Luca
03/10/2010
De branco
Ainda em forma líquida
Solidificando-se como um feto
Uma espécie de conhecimento proibido
Proibido
Ele pesa em mim como uma vaca morta
Eu pari essa vaca
Dei de mamar
Abençoei
Vi-a crescer, sorrir, amarelar
E não fiz nada
Agora ela está morta
Morta sobre mim
A morte grudou em mim como uma sanguessuga
Ela sempre precisa de mais uma
A morte instalou-se na minha casa e em mim
Como uma tia cadeirante
Toda noite ela flutua
E drena meu sangue usando uma taça de ouro
E, como a outra, ela deixa meu marido em paz
Paz, paz, paz
Ela consegue a proeza
Meus filhos ela nem conhece
Não faz questão
Ainda são muito novos
Eles brincam como espuma, como orvalho, como pássaros
Ainda há tempo
Eu, Lucy, de branco limpa
A enganada
Os médicos não sabem de nada, de nada
Eu os expulsei como se expulsa uma enfermeira
O caçador, aquele patife
Muito menos
Ele brinca de frascos
O dia inteiro
Eu vivo para recuperar meu sangue
Que irá ser drenado de novo, e de novo
E eu sei disso
O pior é que eu sei
Se ao menos eu pudesse renascer
Aquela que destruiria tudo como o vento
Aquela que esqueceria marido, filhos, casa
Os ossos obsoletos
Aquela, aquela, aquela
Que viveria nas sombras, nas sombras.
Gian Luca