Os espetáculos da Broadway são conhecidos pela sua grandiosidade implacável. Com investimentos milionários, várias adaptações mundialmente famosas (oriundas do cinema e/ou da literatura) ganharam o coração do público amante de musicais, desde os clássicos Hello Dolly! (que ganhou uma ótima versão brasileira, dirigida por Miguel Falabella), My Fair Lady, Cats, Cabaret (que recentemente esteve em cartaz no Brasil), até os mais recentes Chicago e Mary Poppins. Mas nenhuma foi tão ousada como a adaptação da produção animada da Disney.
A começar pela ousadia
em reproduzir no palco todas as cenas que vemos na animação original. Para os
fãs do filme, sim, tudo está lá: a sequência inicial com os animais da floresta
indo prestar homenagem à Simba ao som da poderosa canção Ciclo da Vida (e não se assuste quando um elefante enorme estiver
descendo no corredor da plateia rumo ao palco, onde encontramos atores
criativamente caracterizados de girafas, leopardos e outros animais), o
cemitério de elefantes, a debandada (uma mistura genial de sombras, bonecos e
atores/dançarinos caracterizados de gnus), a conversa de Simba com o fantasma
do pai (em uma montagem tão genial que deixo para escrever sobre ela com mais
detalhes mais à frente), o crescimento de Simba junto aos seus dois melhores
amigos (os inesquecíveis Timão e Pumba), e o duelo final entre Simba e Scar, só
para citar algumas passagens mais marcantes.
As soluções encontradas
pela diretora Julie Taymor (da versão original) para colocar no palco o que foi
feito com lápis, tinta e papel são admiráveis. Desde cenas menores, como o
famoso monólogo de Scar enquanto se prepara para devorar um ratinho (“A vida
não é justa, não é?”), até as mais complexas, como quando Simba, Nala e Zazu
interpretam a canção Eu Mal Posso Esperar
Para Ser Rei, são montadas com incrível criatividade e hábil agilidade.
Enquanto o ratinho de Scar é apenas uma sombra na parede do fundo do palco, fantoches
gigantes e com cores vivas que remetem ao fascínio africano se transformam em
girafas e avestruzes com movimentos espetaculares durante a canção performada
pelo trio. Outra solução digna de nota é como a diretora deu vida aos
personagens de Zazu e Timão: dois atores manipulam fantoches dos animais o
tempo todo, sempre ‘camuflados’, o ator de Zazu caracterizado com cores e
vestuário que remete à ave, e o ator de Timão todo pintado e vestido de verde.
A agilidade com que
tudo isso é feito é um deleite para os olhos (as cenas na Pedra do Reino são um
exemplo disso). Algumas cenas possuem uma duração muito curta, e é incrível
presenciar uma troca de farpas entre Mufasa e Scar em uma caverna, para
segundos depois darmos de cara com a impressionante árvore brilhante do
macaco-profeta Rafiki, que já desaparece minutos depois para dar lugar aos
campos relvados do reino de Mufasa (que são formados por bailarinos com trechos
de relvas sobre suas cabeças). O jogo de luz e sombra também é essencial, como
na já supracitada sequência do ratinho, e em outras mais grandiosas, como
quando Scar reúne seu exército nazista de hienas sob a canção Se Preparem, e na morte de Mufasa. Nesta
última, o efeito de luz serve como recurso dramático e prático, já que disfarça
o fato do ator estar amarrado a uma corda.
Porém, ao mesmo tempo em que a montagem criativa e ágil forma um todo espetacular, às vezes ela pode prejudicar as partes. Uma franquia musical como O Rei Leão, que faz questão de dar vida nos palcos a todas as cenas do filme, não permite que os atores ‘fujam’ a nenhum instante de seus papeis milimetricamente projetados. O teatro como espaço de improvisação e surpresa praticamente não existe, já que tudo precisa de um tempo absurdamente preciso para ser feito, desfeito e feito novamente. Os musicais da Broadway, especialmente os que mais se atém às suas versões originais, estão mais perto da rigidez do balé do que de uma composição de atuações mais orgânicas. O elenco brasileiro é no geral bom, principalmente César Mello, Osvaldo Mil e Phindile Mlhize, que interpretam Mufasa, Scar e Rafiki (a importância do seu papel cresce ainda mais na peça), respectivamente. Os atores encarregados de dar vida à Zazu e Timão, Rodrigo Cambelot e Ronaldo Reis, também são muito competentes em suas complexas tarefas. Já os atores mirins sofrem mais com essa rigidez, com desempenhos às vezes descambando para o superficial.
Entretanto, o todo
ainda vence. A sequência em que Simba tem uma conversa reveladora e decisiva
com o espírito de seu pai faz com que esqueçamos as falhas da produção. Ao som
da espetacular canção Está em Ti,
atores camuflados entram no palco, cada um carregando uma peça do grande
quebra-cabeça que formará o rosto de Mufasa. Quando o rosto gigantesco aparece
e a boca se abre, é impossível conter o arrepio e admiração. É tão emocionante
quanto a obra original.
As versões brasileiras
das canções, que no original ficaram por conta de Elton John e Tim Rice, são
assinadas por Gilberto Gil, que faz um excelente trabalho. Porém, para o
público mais acostumado às versões brasileiras de 1994 para o filme, algumas
passagens podem causar algum estranhamento devido à alteração das letras. Mas a
emoção que as canções carregam são as mesmas. A inserção da canção Está em Ti (no original He Lives in You), que pertence à
sequência O Rei Leão 2 – O Reino de Simba
(de 1997), foi uma decisão bastante acertada da produção original, e a música
acaba se tornando uma das mais emocionantes da peça, aparecendo nos momentos
mais decisivos da história (impossível esquecer a canção
sendo interpretada por
Mufasa sob um céu estrelado)
Com quase 2 horas e
meia de duração, devido a vários momentos em que bailarinos e cantores
interpretam canções africanas entre as cenas do enredo principal, além de
números solos (como o emocionante número de Nala, interpretada por Josi Lopes),
O Rei Leão é uma experiência única, tanto para os amantes de uma das maiores
histórias que a Disney já contou, quanto para os admiradores de grandes
musicais. Aqueles musicais inesquecíveis, como este aqui.
Confira o vídeo da performance americana da abertura do musical:
Confira o vídeo da performance americana da abertura do musical:
4 comentários:
Fazia muito tempo que não passava por aqui. Já até estava a esquecer o quanto tu escreve bem.
Ótima análise!
Eu adoro o filme e a peça parece ser muito boa também.
Quem sabe um dia...
Abraços
=]
Obrigado pelo comentário, Rafael. Se vc tiver a oportunidade, não deixe de conferir o espetáculo. Abraços!
Eu tb assisti e AMEI AMEI AMEI! Fiz uma resenha tb no blog!
Eu tb achei a cena "Esta em Tí" uma das mais lindas e emocionantes, cara, sensacional! Tudo é maravilhoso, nem me importei tanto com a mudança das letras que estamos acostumados (mas Hatuna matata foi sacanagem kk).
Ótima critica amigo, falando dos pontos fortes e apontando os a desejar também.
Postar um comentário