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30/03/2011

Um sonho

Tradução feita por mim de um poema de Ted Hughes chamado 'A Dream', da coletânea de poemas escritos sobre o seu conturbado casamento com a poeta Sylvia Plath, que se suicidou aos 30 anos. O livro se chama 'Birthday Letters', publicado em 1998.


Um sonho

O seu pior pesadelo

Virou realidade: aquele chamado na porta –

Não foi apenas o acaso

Mas um meteorito, que caiu direto na nossa casa,

O nosso nome estava nele.


Não eram sonhos, eu disse, mas estrelas fixas

Que governam uma vida. O corpo inteiro com sede,

Inexorável, como um sonâmbulo puxando

Ar para os pulmões. Você teve que levantar

Um dedo da tampa do caixão.

No meu sonho ou no seu? Caixa de correio esquisita.

Você tirou um envelope. Era uma

Carta do seu Papai. ‘Estou em casa.

Eu posso ficar com você?’ Eu nada disse.

Para mim, um pedido é um comando.


Então foi a vez da Catedral.

Chartres. De alguma forma nós acabamos em Chartres.

Não era a sua primeira vez.

Eu não me lembro de muita coisa a não ser

Daquele jarro. Você o encheu

Com tudo o que a gente tinha. Cada centavo.

Você disse que era para a sua mãe.

Você tirou todo o nosso oxigênio

E colocou naquele jarro. Chartres

(Eu me lembrei disso)

Pendia sobre o seu rosto, uma mantilha,

Escurecida, rendilha de carvão –

Como se fosse pós-tempestade. Como uma enfermeira

Você cuidou do que restou do seu Papai.

Tirando nossas vidas daquele jarro

E colocando na xícara de café dele. Depois você o quebrou

Em cacos, estrelas brutas,

E deu para a sua mãe.


‘E quanto a você, ’ você me disse, ‘peço permissão

Para lembrar esse sonho. E pensar nele.’


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A Dream

Your worst dream

Came true: that ring on the door-bell –

Not a simple chance in a billion

But a meteorite, straight down our chimney,

With our name on it.


Not dreams, I had said, but fixed stars

Govern a life. A thirst of the whole being,

Inexorable, like a sleeper drawing

Air into the lungs. You had to lift

The coffin lid an inch.

In your dream or mine? Strange letter box.

You took out the envelope. It was

A letter from your Daddy. ‘I’m home.

Can I stay with you? I said nothing

For me, a request was a command.


Then came the Cathedral.

Chartres. Somehow we had got to Chartres.

Not the first time for you.

I remember little

But a Breton jug. You filled it

With everything we had. Every last franc.

You said it was for your mother.

Your emptied our oxygen

Into that jug. Chartres

(I salvaged this)

Hung about your face, a mantilla,

Blackened, a tracery of char –

As after a firestorm. Nun-like

You nursed what was a left of your Daddy.

Pouring our lives out of that jug

Into this morning coffee. Then you smashed it

Into shards, crude stars,

And gave them to your mother.


‘And for you,’ you said to me, ‘permission

To remember this dream. And think about it.’


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O livro trata basicamente de várias situações sofridas pelo casal durante o tempo que estavam juntos. Hughes foi muito criticado pela sua conduta com Sylvia, principalmente por causa de sua traição quando eles ainda estavam juntos. Os extremistas alegam que esse foi o fator principal do suicído de Plath, o que não passa de uma afirmação absurda, considerando todo o histórico de depressão de Plath (alegam que sua primeira tentativa de suicídio foi aos 10 anos, seguida por uma aos 20, quando ela nem conhecia Hughes). Mais que um livro que tenta 'retratar' as falhas do poeta (nesse quesito ele não é muito bem sucedido, para o terror das feministas), a coletânea mostra o quão Ted Hughes era talentoso em suas construções detalhistas dos eventos na vida dos dois e as impressões deixadas por elas. Muitas das técnicas usadas nesses textos são frutos da sua habilidade em criar impressões aterradoras na chamada 'Animal Poetry' (Poesia Animal), a fase de seu trabalho mais conhecida.





Hughes, Plath e os filhos.

27/03/2011

Quando o estereótipo funciona


Deixa eu dividir essa história com vocês: Estava eu hoje no MAES (Museu de Arte de Espírito Santo) vendo uma exposição, quando descubro que um filme do meu chará Jean-Luc Godard estava prestes a ser rodado junto com um bate papo com um crítico cinematográfico. Até aí tudo beleza. Fiquei hiper feliz e fui sentar na salinha onde o filme iria ser exibido. Muitas pessoas já estavam lá e outras foram chegando, no geral, mulheres comuns sozinhas ou acompanhadas por amigos gays e senhores e senhoras com aquele ar intelectual e de interesse irrepreensível. No meio desse público já esperado aparece, para minha surpresa, um casal (homem e mulher) lindíssimo. A mulher era gostosa e usava uma roupa curta (mas não vulgar) e o homem era loiro e também bem gostoso (mas não bombado), enfim, realmente um belo casal. Então eu olho e me pergunto: Mas que diabos esse casal está fazendo em um museu às três e meia da tarde num sábado? Até mesmo o crítico que estava lá fez aquela piadinha irresistível de perguntar para a audiência da província o porque dela não estar curtindo uma praia naquela hora.

Quando o filme começa (após uma deliciosa introdução feita pelo crítico mineiro), tento deixar a minha perplexidade de lado. Eu já começava a ter esperança que a teoria (acho que de Darwin) de que pessoas bonitas (que se 'destacam') são burras e pessoas feias (ou 'comuns') são inteligentes não passava de uma baboseira quando o casal, visivelmente supreso e entediado, sai aos 15 minutos (mais ou menos) da projeção. E não volta mais.

Não foi dessa vez que os representantes da beleza provaram que podem sair do estereótipo. Pena.

Só por curiosidade: O filme do Godard se chama 'Um Mulher é uma Mulher'. Brilhante exemplar do movimento da Nouvelle Vague, com Anna Karina e Jean Paul Belmond.


10/03/2011

Trouble God

O começo



Agora Você terá outra chance

Aqui na minha terra

Eu sou a Santíssima Trindade

Ou mais, mais, mais

Hoje podemos ser tantas coisas!


A começar pelo Éden:

Uma costela não é nada enigmática

Na verdade é muito vulgar

Então, por favor,

Arranque um pedaço do cabelo de Adão

E entregue a Eva

Ela cuidará dele obsessivamente

Continuará sendo vulgar, eu sei

(Todas as mães são vulgares depois dos 40)

Mas nós iremos fazer piada no futuro

Com a nossa frágil mitologia


Acho que já está na hora de tirar a maldição da cobra

Ela já sofreu preconceitos por muito tempo

E pelo eu sei, Você não é um homem preconceituoso

Então porque colocar o peso da humanidade naquelas costas oleosas e sem vida?

É pior que afogar cachorrinhos

Não, não, não

Tire a maldição da cobra

E coloque em uma erva daninha qualquer

As plantas são mais compreensivas


Nada de Caim matar Abel

Isso é pior que novela mexicana

É melhor Abel se apaixonar por Caim

Assim teremos menos um problema infame

(Todos os problemas são infames antes de começarem)


Satã, com sua bunda gelada sentado no trono,

Não é um anjo caído

Ele sempre foi um rei

Assim como Deus sempre foi um rei

Nenhum dos dois precisa de história


Ninguém sem um passado pode ser destruído

É por isso que as crianças são felizes


O meio


Já está na hora de mudar a fama de Herodes

Ele estava muito ocupado se masturbando

Para mandar matar aquele monte de bebês

Vamos simplesmente dizer que ele estava cuidado de assuntos do Estado

E deixou o menino nascer sem mais problemas

Um acaso como aqueles da Inglaterra


Mantenha a pobreza Dele

Isso dá um aspecto vigoroso

Apesar de pouco prático

No tempo que ele ficou na marcenaria

Poderia ter efetuado mais milagres

Uma espécie de Merlin verborrágico


Mas transforme Maria em uma mãe superprotetora

Assim ela ficará menos indiferente à fuga dele aos 12

Afinal ela não foi chamada de prostituta

Para depois deixar o filho escapar como menstruação

Precisa haver uma despedida forte, porém sem lágrimas

O anjo estraga-prazeres pode acompanhá-lo

O menino só tem 12 anos

Ele não pode ser tão forte assim

(A força é uma ilusão dos fracos)


O grande retorno será para resgatar Maria Madalena

Aquela das mechas longas - teias sibilantes

Uma cigana fora do seu nicho colorido

Esperando seu amado para se tornar uma bruxa

E dar a luz a 12 meninos perfeitos

Uma imagem patética como o gigante de Carrington


Cada apóstolo cresce como uma rolinha

Madalena os amamenta e Ele faz o papel de pai

Consegue um trabalho em uma marcenaria

E não há nenhum milagre durante quase vinte anos

Apenas uma família comum, festas sem vinho e mortes naturais


Cada filho cresce com uma característica peculiar

Mas obviamente a de Judas, o filho do meio, é a mais importante

Nada poderia ser feito para mudar aquele filho

Era algo tão forte que a única coisa que Ele poderia fazer

Era abandonar a família e cumprir seu papel que terminou aos 12


O mundo então muda outra vez

Imperceptível como a velhice

Uma fornalha onde as pessoas entram por vontade própria

Verde de ganância guiadas pelo barulho da serpentina


Morrer é realmente uma arte

Ele não veio para trazer a vida

Mas para trazer a morte

A questão sempre foi a morte e o reconhecimento

Ele apenas escondia isso com suas mãos encarecidas como vinagre

E seus olhos da madrugada


A maledicência de Judas cresce como um câncer

E logo os soldados descobrem tudo sobre o seu pai

A crucificação não faz sentido para Madalena nem para seus outros filhos

(Porque as mães e os filhos nunca sabem de nada?)


O que Ele estava fazendo enquanto estava fora?

Porque disse que iria comprar carne e não voltara mais?

O que o governo tinha a ver com tudo aquilo?

Onde estava Judas?

O que era aquela agitação toda?


Aquela tempestade era

Uma nova era

Silenciosa como uma troca de discos.


E então veio a escuridão do sangue.


O fim


O nosso momento começa depois de Hitler

O segundo Messias:

Depois da Grande Queda

A compaixão se tornou um órgão humano

A compaixão se tornou o grande trunfo do nosso século

Junto à descrença, ao amor e à amizade

O suicídio nada mais é do que todos esses sentimentos juntos


Todos os começos são fatídicos

Os judeus empilhados são as nossas estrelas recém-nascidas na noite morna

A radiação, aquela raposa, são as nuvens em forma de novos brinquedos

Fornecendo oxigênio para os nossos escritórios deformados

Rastejamos pelas barras de ferros

E entramos em nossas cavernas decoradas

Espaçosas como o útero


Depois, depois

O suicídio se tornou a forma mais elegante de se viver

(Caminha-se no fio de náilon mais elevado bebendo whisky)


Nós nos tornamos o nosso Deus

Sufocados com tanta divindade

Sem história e sem família

Apenas uma luz de sempre

Sem passado, sem poder ser destruída

Derradeira como a impressão de uma cobra

Deslizando, deslizando

Fugindo do grito como em sonho


A imperfeição é horrível

Ela nos dá filhos mutilados:

Velhos, indigentes e descrentes

Somos os pais de todo o mundo

Em nosso eterno circo de amor


Porque não podemos parar de amar?

Porque não tentamos uma nova abordagem?

Estamos mesmo destinados a nos matar pelos outros?

Naquele dia tudo realmente mudou?

O que ele fez, afinal?

Nos impregnou de amor?

Quem permitiu a mudança de curso?

Quem permitiu que nós enxergássemos?


Antes, antes

Estávamos bem com os nossos reis de três olhos

E nossas ambições ciclopianas.


Gian Luca

03/03/2011

Yconoclasta


Mickey, por Banksy.




Hey Mickey
O que você está fazendo?
Trazendo alegria?

Te conheço desde
1937
E queria ser como você
Nem o monóxido de carbono arranca seu sorriso

Você segura o pulso da ninfa
Como mamãe me segurava em
1937

Hello Ronald McDonald
Você acena para o lado
Como o presidente

Acho que te vi pela primeira vez em 1994
Na grande inauguração do Shopping
Confesso que não te cobiçava muito em 1994

Porque você não segura firme o pulso dela?
É alguma amostra?
Como daquela vez em 1994?

O que tem nessa mão para eu comer?

Gian Luca