Parecia que Pedro Almodóvar, com uma de suas obras-primas Fale com Ela, já havia atingido o grau máximo de bizarrice canalizada em paixão e cinema. Parecia. Com a sua mais nova obra, A Pele que Habito, Almodóvar nos entrega umas das histórias mais absurdas já vistas na telona; e dentro de sua filmografia, uma obra genial.
Almodóvar é mestre em criar novas perspectivas, ou pelo menos, moldar assuntos já vistos ou imaginados com seu toque único, o que acaba por tornar o que vemos na tela aparentemente algo completamente original. Isso acontece devido à habilidade do diretor em injetar na sua história, e principalmente, nos seus personagens, paixão e veracidade. Esse filme dá certo, em grande parte, porque os personagens acreditam em seus atos. O diretor não faz uso de nenhum recurso narrativo mirabolante para elaborar a sua obra. Pelo contrário, o agonizante suspense inicial e as duas perspectivas narrativas de um mesmo acontecimento (crucial no filme), por exemplo, são recursos de fácil identificação, já vistos várias vezes. A obra funciona porque a mise en scène é espetacular, por mais absurdo que pareça ser os atos dos personagens. Seja na dureza de Marília (Marisa Paredes), na convicção de Robert, na transformação de Vera, entre muitos outros elementos, tudo é sinistramente real, puro e elegantemente vulgar.
O estilo que nós é tão familiar da estética visual de Pedro Almodóvar está na obra, mas ganha alguns contornos diferentes. Boa parte do filme se passa em uma mansão suntuosa, com várias pinturas nas paredes denunciando os gostos do cirurgião, mas é um lugar um tanto lúgubre e isolado. As lindas canções em espanhol dividem espaço com as trilhas de suspense novelescas, e quase não há cenas externas à luz do dia, tornando toda a atmosfera bastante condizente com os temas abordados. A cultura espanhola de raiz é vista apenas discretamente, entretanto, numa bela sacada, o diretor usa um segmento cultural para construir uma sequência que leva o filme para a frente. A fotografia, como em qualquer outra obra desse diretor, é impecável; mas, ao contrário da claridade que predomina em seus outros filmes, nesse temos um tom mais escuro e a iluminação se torna mais delicada e poética, tendo seu ápice quando o 'casal' Ledgard e Cruz estão na cama. Por outro lado, ver um trabalho de Almodóvar cheio de cenas em laboratórios e com discursos científicos soa, num primeiro momento, um tanto quanto estranho. Porém, o diretor não pisa em ovos: novos territórios no que concerne às atitudes humanas são explorados com perspicácia, sem soar vazios ou forçados. Felizmente Almodóvar foge de explicações científicas convencionais e 'hollywoodianas', se não o fizesse, perderia a sua essência.
E é essa habilidade, de agregar algo sempre novo com a sua tradicional paixão pelo ser humano e o que ele é capaz de fazer, que faz com que Almodóvar seja sempre um diretor inovador, cáustico, apaixonado e principalmente, verdadeiro. Assim como acontece com a personagem de Paredes, a loucura de Almodóvar parece vir de suas entranhas. Uma loucura de moldar o grotesco, de realizar o irrealizável, tanto porque vem dos cantos mais espinhentos e assombrosos da mente humana.