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27/12/2010

Os Abutres Tem Fome (1969)



Já na época do declínio do gênero Faroeste, Don Siegel (Vampiros de Alma e Perseguidor Implacável) dirigiu Os Abutres Tem Fome, filme que tem como maiores destaques os diálogos afiados e a divertida relação entre o caubói Hogan (Clint Eastwood) e a freira Sara (Shirley MacLaine), um dos casais mais improváveis do cinema.

Tendo como pano de fundo a precária situação do México, quando o país estava lutando contra o controle da França, o diretor, apesar de lidar com uma situação grave, realiza um faroeste leve e sem maiores pretensões. Hogan salva Sara de um grupo de molestadores e descobre que a freira pode ajudá-lo a penetrar no quartel oficial francês que ele pretende roubar, já que ela está fugindo dos franceses devido a sua ajuda aos mexicanos. Até mesmo a trilha do mestre Ennio Morricone, apesar de memorável e forte, cria uma sensação de bem-estar e diversão. O perigo está lá, mas por muitas vezes fica difícil temê-lo, e no caso da obra em questão, essa é uma boa característica.

Digamos que o filme está mais para o jovial Butch Cassidy do que para os caústicos Era Uma Vez No Oeste ou Três Homens Em Conflito. Os diálogos entre a dupla são repletos de piadas relacionadas aos aspectos tão incomuns envolvidos (o maior deles sendo o fato de uma religiosa estar envolvida com um caubói, obviamente). Maclaine (sempre linda, até hoje) faz de Sarah um conjunto forte, simpático e por vezes quase etéreo (devido a sua posição em um ambiente tão inóspito) sob a bata e o crucifixo. O vigoroso Eastwood (até hoje) não muda muito o jeito durão, impertinente e irônico de qualquer outro faroeste que tenha feito, porém agora ele se mostra mais relaxado e cômico, enfim, o filme permite essa nova dimensão do forasteiro. Até mesmo os estímulos para o roubo do quartel fogem do padrão tradicional dos heróis do Oeste: Hogan não quer o dinheiro para comprar um rancho e criar cavalos, mas sim para construir um cassino em São Francisco, a grande cidade em ascensão (estamos falando do final do século XIX).

Algumas passagens são extraordinárias e memoráveis, como a comicidade e a tensão que envolve a explosão de uma ponte e as sensacionais performances da dupla, tendo o ápice quando Sara tenta tirar uma flecha de Hogan após um ataque indígena. Siegel cria uma seqüência sem pressa e bastante rica em conteúdo, dando preferência aos closes que mostram a grande aflição (e determinação) de Sara e a descontração aparente de Hogan.

O clímax, apesar de bem feito e até ousado (estamos ainda no final dos anos 60), é o que menos importa, na verdade. Quando chegamos a ele, Maclaine, Eastwood e Siegel já fizeram o melhor do filme. O título original faz muito mais sentido à atmosfera do filme do que o tendencioso título brasileiro, que carrega um peso negativo que o filme não possui.

23/12/2010

Staying

I have an infatuation
Not so big as nun's
Not so big as housewife’s
But big enough to carry you like bird
Into my crowded nest
But clean and hearty
Believe me (You have to).

I think I love you
Like I loved before
So few so young
I never got there
Probably I will never do
But I think I love you.

You are happy like a puppy
Keep like this
Smiling and showing your face like a toothpaste ad
It's good for me
To think that I'm all by myself
Like an old man in an asylum
With some soup, some sleep and talks

My family is still here
They still take care of me
Although I'm 30 and something (how old are we?)
Sometimes I fell ashamed and small
They expected a life for me
Not a sparkling one
Not a dazzling one
But a dignified one
You know, like lawyers have
Or butchers

Is this what really is?
What sort of thing did I create?
Did my brain do that?
Or was it obliged by some angel?
Is this a joke or a future?

You are plain like a cemetery
Gray and strong like a father
You are invincible
I’m dead
You couldn't take me
I'm too light
I don't have big problems
Nor issues

Let me stay her
Shut the door
My parents like you
But you can't come
Let me here
With my books
And my stained thoughts.


Gian Luca

20/12/2010

Prêmio!




O selo dos Prêmios Dardos, conferido a mim pelo blog "Diário Cinéfilo", de Victor Tanaka.

Regras:

- Exibir a imagem do selo no seu blogue;
- Linkar o blogue pelo qual recebeu a indicação;
- Escolher outros blogues para receber o Selo Dardos;
- Avisar aos escolhidos.

E os meus escolhidos são:

http://poesiatorta.blogspot.com/

http://azultemporario.blogspot.com/

http://omundodoscinefilos.blogspot.com/

:-)

12/12/2010

Just a little

You smile and never cry.
Clean like movie-stars
Your money buying horses
And baby-sitters. You look
At me as if I were a hunchback
Who gives money to black beggars

You never cry. Your stupid
Giant mouths, fitting in brand new clothes
Like primary students.
I could put a dog in those mouths
But my hands are as empty as streets
Chew. Chew. Chew.
This is the only thing you know.

Your eyes once shone
It was probably the effect of my pink eyes
My gluey straigth eyes
And my heart, as big as Christmas.
When I left childhood behind
You died. And it was so soon!
You never expected.

You smile and never cry.
Yesterday shoes
Today sex
Tomorrow more tomorrows
I write faintly

You smile and never cry.

Gian Luca.

01/12/2010

Canção de ninar

Mamãe, mamãe
Eu nasci com cheiro de hospital
E você amou
Eu nasci quando você tinha 18 anos
E você amou
A sua vida estava completa
Você amou tanto que pensou que não poderia aguentar

Qualquer possibilidade de erro
Estava completamente fora de questão
Eu era recheado de azul, de nuvens, de silêncio
Parecia até que eu tinha o dom da vida
Talvez eu tivesse o dom da vida

O dom do sucesso e o dom do sucesso
Você me imaginou grande
Seu filho brilhoso como peixe
Seu filho grande como Hamlet
Você nunca leu Hamlet, mamãe
E você não está perdendo nada

Você me viu com maleta preta, sapatos pretos
Um carro grande e uma casa com piscina (como você ama piscinas!)
Um ir e vir calculado como esquinas
Uma mulher pequena iria me roubar de você
Mas você estaria feliz
Porque mulheres pequenas dão filhos quadrados
Como os vidros de seus perfumes

Quando eu tinha 12 você viu algo que te apavorou
Até hoje você não admite
Mas eu te apavorei
Foi pior do que aqueles bebês-ratos que você viu na cozinha
E algo aconteceu entre nós
Uma fissura terrível nos nossos corações
Os nossos corações nunca mais se encontrariam

Você passou noites se perguntando
Onde estariam meus amigos
Onde estaria a minha mulher pequena
Nem a lua te aquecia (você já viu a lua, mamãe?)
O sol te deixava doente
Você sabia que eu tinha matado meu futuro aos 12

Mamãe, mamãe boa
Como você suportou todos esses anos?
Ser seu filho foi o suficiente?
Você poderia ter me asfixiado
Mas você não é grande o bastante
Feitos grandes não cabem no seu grande coração

Nossos olhos às vezes se esbarram
Como freiras assustadas
Algumas partes dos nossos cérebros aindam tentam entender
O que há entre nós
Mas não há mais nada entre nós

Agora você me vê diminuindo como uma anoréxica
E a sua cicatriz não valeu à pena
Cicatrizes nunca são boas o suficiente

Não existe mulher pequena, mamãe
Nunca irá existir
Nunca irão existir filhos quadrados
Eu provavelmente não teria tempo

Você pode se agarrar naquelas fotos do convento
E ficar velhinha junto a elas
E até sorrir mais vezes
Você ainda tem chance, mamãe

Foi apenas um sonho, mamãe
Seu filho, seu filho
Nunca existiu.

Gian Luca

27/11/2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (2010)



No momento em que escrevo essa crítica estou ouvindo a canção O Children, do cantor australiano Nick Cave, canção essa que faz parte da trilha sonora do penúltimo Harry Potter. Ela é tocada numa das cenas mais belas do filme (e de toda a série), quando Harry (Daniel Radcliffe) tira Hermione (Emma Watson) para dançar, numa tentativa de descontração em meio ao caos que estão as suas vidas. A seqüência foi uma liberdade, dentre algumas outras, que o diretor David Yates (dos dois filmes anteriores) sabiamente tomou, fugindo das palavras escritas de J. K. Rowling, mas nunca fugindo do espírito da saga da escritora.

Apenas uma breve recapitulação: No filme anterior, Dumbledore (Michael Gambom) revela a Harry que o único meio de acabar com Voldemort (Ralph Fiennes) é destruindo as partes de sua alma que estão dividas em sete, as chamadas horcruxes. Duas já estão fora da jogada, o diário de Tom Riddle (destruído por Harry na Câmara Secreta) e um anel, esse último pelo próprio Dumbledore. Agora falta quatro, a sétima é o pedaço da alma que ainda está no corpo de Voldemort. Além das horcruxes poderem estar em qualquer lugar do mundo, para piorar Dumbledore morre. O mago deixa para seu pupilo enfrentar sozinho (com a ajuda de Rony e Hermione, é claro) o desafio que será o maior de sua vida.

Sendo assim, o que resta agora para o trio é ir atrás desses artefatos amaldiçoados. As Relíquias da Morte: Parte 1 começa com o tom sombrio e preocupante deixado no término do anterior. Hermione apaga a memória dos pais, para que eles não se lembrem da filha caso ela morra (no livro esse acontecimento é apenas citado pela garota, Yates fez questão de filmá-la). Os Dursley deixam a sua adorada casa e se escondem sob a proteção da Ordem da Fênix, e Rony (Rupert Grint) ouve com tristeza o chamado de sua mãe para o jantar, já sabendo que esse será uma das últimas refeições familiares que ele fará antes da grande jornada.

Entra o logotipo da Warner, agora todo enferrujado. Sai o logotipo da Warner e somos conduzidos por Snape (Alan Rickman) até a mansão dos Malfoy, lugar onde está reunida toda a grande escória do mundo bruxo (os Comensais da Morte) sob a narina ofídia e as mãos cadavéricas de Lord Voldemort. A passagem que se segue é cuidadosamente forjada para que o espectador sinta, aos poucos, que será impossível ver, ao longo da projeção, qualquer vestígio do espírito ingênuo e previsível criado por Chris Columbus nos dois primeiros filmes. Para quem acompanhou a saga ao longo desses quase dez anos, fica quase impossível lembrar-se daqueles filmes que marcaram a infância de tanta gente (a não ser talvez, ironicamente, na cena da dança citada no primeiro parágrafo). Na mansão dos Malfoy, uma professora de Hogwarts é torturada, morta e servida de refeição para a cobra do Lorde das Trevas. A inocência acabou.

Após o casamento do irmão mais velho de Rony, Gui Weasley (já presente nos livros há bastante tempo, mas tendo sua primeira aparição apenas agora) e Fleur Delacour (a competidora do Torneio Tribuxo em O Cálice de Fogo), o trio foge do ataque dos Comensais da Morte e vão parar numa avenida trouxa. A partir daí, Harry, Rony e Hermione procuram esconderijos ao mesmo tempo em que tentam descobrir onde estão as horcruxes. Com um ataque do mal atrás do outro, eles passam da casa de Sirius para várias florestas e penhascos. Esqueça Hogwarts. Agora ela está apenas presente na imaginação dos garotos e na espiada que Harry dá no Mapa do Maroto.

A decisão de dividir o livro em dois filmes não poderia ter sido mais acertada. Com tempo de sobra, Yates desenvolve sem pressa praticamente todo o conteúdo presente na obra de Rowling. Ao contrário de Columbus, que, apesar de ter sido o mais fiel, deixou A Pedra Filosofal e A Câmara Secreta episódicos demais, uma copia e cola que se desvalorizou rapidamente, Yates deixa As Relíquias da Morte com uma fluidez digna das melhores adaptações literárias vistas nos últimos vinte anos, sem cortes absurdos e liberto de diálogos disfuncionais, características que tanto marcaram os filmes anteriores, com exceção ao sexto.

A seqüência no Ministério da Magia, aonde o trio vai à busca de uma horcrux, é extraordinária. Yates tira o máximo de proveito do aspecto político empregado por Rowling, que remete fortemente ao nazismo. No caso do mundo bruxo, os ditos sangue-puros (aqueles que nasceram de pais bruxos) caçam os sangue-ruins (nascido de pais trouxas), esse últimos correm então o risco de perder seu direito a magia. Yates e o designer de produção Stuart Craig dão ao Ministério um assombroso ar germânico dos anos 30, abusando das cores azul escuro, preto e verde amarelado. O figurino é dominado por jaquetas de couro escuras para os homens e terninhos listrados para as mulheres. Uma sangue-ruim em processo de julgamento usa uma vestimenta cinza que remete a uma judia perseguida. Panfletos com tarjas vermelhas produzidos em série por empregados vidrados e uma estátua mostrando trouxas esmagados sob a frase ‘Magia é Poder’ fornecem ainda mais semelhanças com as perseguições reais contra diferentes raças. A semelhança é tão grande que esperamos Joseph Goebbels sair de uma das lareiras do hall a qualquer momento.

As performances de Radcliffe, Watson e Grint, que já vinham melhorando exponencialmente desde A Ordem da Fênix, não poderiam estar melhores. Radcliffe parece ter finalmente entendido o seu papel de herói, e apesar de ainda manter alguns trejeitos duros, o ator consegue encarnar um Harry totalmente perdido, decepcionado, mas ainda com algum resquício de esperança. Grint deixa a caricatura de lado e coloca Rony na difícil posição de melhor amigo do Eleito, através de seu olhar penetrante e questionador. Mas, como sempre, é Watson que rouba cada momento em que está em cena (quase todos). Com seu cenho sempre franzido e uma voz suave, mas pesarosa, ela deixa Hermione na posição de mãe dos amigos, tentando esconder sua insegurança e temores para ter força em continuar junto a Harry.

Rickman, Fienes, Helena Bonham Carter (Bellatrix Lestrange) e Julie Walters (Molly Weasley), apesar de pouco tempo na tela, cumprem seus papéis com uma dedicação admirável. Fiennes desliza na pele do vilão, Rickman, com sua voz grave, mantém o mistério que cerca o personagem, Carter enlouquece de vez e Walters é admirável em passar tristeza a abatimento apenas com um simples olhar. Somos apresentados a dois personagens importantes, o novo Ministro da Magia, Rufus Scrimgeour (Bill Nighy exagerando demais no sotaque) e Rhys Ifans, que interpreta o atormentado Xenófilo Lovegood, pai de Luna. Ambos são bem aproveitados, assim como Jason Isaacs, na pele de Lucius Malfoy, que transmite com proeza o desespero de sua nobreza e respeito falidos.

A maior e mais inspiradora liberdade de Yates foi ter transformado um conto narrado por Hermione em uma animação ao nível dos desenhos de Tim Burton, um dos pontos mais altos do filme. Uma participação maior do elfo Monstro e a volta de Dobby, em grande estilo, que nos conduz ao tristíssimo climax, nos levam a perceber o cuidado do diretor em se manter fiel ao livro, tanto para a felicidade dos fãs quanto para a felicidade de qualquer um que goste de um filme de fantasia grandioso. Relíquias da Morte: Parte 1 ainda não chegou ao tão esperado nível de obra-prima, mas com a segunda parte vindo por aí, as chances de Harry Potter finalmente ganhar esse status são grandes.

19/11/2010

As Melhores Coisas do Mundo (2010)


Você quer conhecer o inferno? Ele é aqui!

A fala é dita num momento de fúria por Hermano, o personagem vivido por Francisco Miguez, para o seu pai. E o inferno a que ele se refere é a escola onde estuda. E não, não é nenhuma escola caindo aos pedaços de uma favela, pelo contrário, Hermano estuda numa escola de classe média alta. E é lá que o inferno se dá.

As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky, é uma baita surpresa boa. Reconhecer a qualidade do atual cinema nacional está cada vez mais fácil, sem dúvida. Porém, o cinema de qualidade do Brasil ainda está muito restrito a certo tipo de gênero, que poderia ser classificado como uma espécie de policial sanguinário favelístico. Quando se trata de um filme urbano, de classe média, o medo de nos depararmos com um episódio de Malhação estendido é louvável. Confesso que nos primeiros minutos de projeção, ao ver o nome de Fiuk e Paulo Vilhena nos créditos, eu já estava pensando: Em que diabos fui me meter? Puro preconceito.

Hermano e Pedro (o filho lindo de Fábio Júnior) passam por frustrações comuns na vida de qualquer adolescente, Pedro numa escala maior e mais dramática, mas ainda bastante crível dentro de sua redoma de vidro. Os dois dividem um grande drama em comum: o pai, Horácio (vivido discretamente por Zé Carlos Machado), abandona a família ao descobrir sua verdadeira sexualidade e passa a morar com o namorado, Gustavo (Gustavo Machado). Horácio não deixa de prover nada para a família, ele continua a cumprir seu papel de pai dentro do possível, mas nada disso importa para os filhos, que sofrem as já esperadas gozações dentro da escola, o tão em voga bullying. Hermano chega a ser espancado por valentões bombados. E a cena em que os irmãos se abraçam, quando não aguentam mais a pressão, é de uma sinceridade sensacional.

Aliás, o bullying é um dos temas-chave da película de Bodansky. Duas garotas, uma linda, loura e peituda e a outra, que se veste como um garoto, também sofrem nas mãos desses adolescentes revestidos de hormônios em ebulição. A primeira é vitima devido a uma foto nua que vaza e vai parar no celular de todo mundo, a outra, bom, é óbvio, vítima da intolerância dentro dessa selva, em que o veadinho inofensivo da vez muda a cada semana. E tudo isso filmado por uma blogueira picareta, também aluna, que não mede escrúpulos para ganhar acessos no seu blog.

Denise Fraga, infelizmente, carrega uma carga dramática exagerada, com olheiras incompreensíveis e um senso de ética e postura como se fosse uma palestrante chata. Felizmente, ela é dona da mais bela cena do filme, e uma das mais belas, sinceras e originais passagens que já vi nos últimos tempos: no auge de seu desespero (ou quase auge, já que o filho mais velho tentará se matar mais tarde), ela e Hermano descontam suas raivas jogando uma dúzia de ovos na parede da cozinha. A gema escorrendo pelas fotos na parede é genial, ao representar, ao mesmo tempo, tanto a desconstrução daquela família aos pedaços quanto um renascimento da mesma. Maravilhoso.

Outra bela surpresa é a belíssima Gabriela Rocha, que interpreta Carol, a melhor amiga de Hemano e apaixonada pelo professor de Física, Artur (Caio Blat, também em um papel discreto, mas que sabe tirar o máximo dele). Rocha consegue com maestria deixar o seu personagem o mais natural possível e não se entregar aos maneirismos de telenovelas. E para finalizar esse mar de surpresar, temos um Paulo Vilhena interpretando Marcelo. Amadurecido, o papel do ator é de um professor de violão de Hermano, que pode ser encarado como uma espécie de pai para o menino. Vilhena leva seu papel tão a sério, que sentimos uma dorzinha no coração quando descobrimos que ele viajou para a Europa e não vai continuar com as aulas durante pelo menos seis meses. Já vale a sessão se o espectador mais exigente conseguir simpatizar desse jeito com Vilhena, e também com Fiuk, o personagem mais complexo da trama. Fiuk não é nem de longe genial, mas também tenta se livrar ao máximo da postura global que poderia tornar o personagem um burguesinho vazio.

Difícil tachar as falas dos adolescentes de clichês. Eu diria ser um clichê necessário, afinal, quando se tem 15 ou 16 anos, fica difícil elevar muito o padrão dos diálogos, que pode acabar se tornando algo forçado e pseudo-intelectual. Por isso acho que Bodanzky fez a escolha certa em manter certas expressões características dessa idade, com a devida habilidade de deixá-las mais naturais possíveis, o que às vezes não é totalmente bem-sucedido, porém mais por conta dos atores jovens (muitos começando a carreira agora) do que por um possível desleixo da diretora.

Sendo assim, com tantos aspectos positivos e um final, ao som de Something dos Beatles (interpretado pelo próprio Miguez), que deixa um gosto de quero mais (muito mais), As Melhores Coisas do Mundo pode não ser nenhuma obra-prima, mas é mais relevante do que a maioria das bobagens americanas lançadas por aí sobre adolescentes.

17/11/2010

1879

“Caro professor, notificamos ao senhor um corte do terço do salário de novembro devido
à sua negligência em participar do Encontro Nacional de Professores de Inglês...”

...e suas expectativas irrelevantes para a educação brasileira.

Mas então eu preciso ser justo:
Você pode ter sorrido com o que eu escrevi
Mas não é certo judiar de instituições
Elas formam pele, carne, osso e alma
Na verdade elas comeram a minha alma.

Eu tentei fugir como um leopardo
Das garras de Vingren e Högberg
Vingren e Högberg
Vingren e Högberg

Dois corrimões de um hospital novo
De um lugar distante
Limpos e cinzas como enfermeiras
Reescrevem a Bíblia

A palavra de Deus
Coerente como médicos
Santifica castanhas e nativos
O sangue é o vinho da ceia
E as risadas tem o barulho de caixas de arquivo

Invejo Vingren e Högberg
Não apenas pelos seus nomes gelados
Mas porque vieram de tão longe
Com a força de um paciente terminal
E transformaram seus olhos em espelhos da verdade

O Brasil que nunca tive
Cheio de rios, de especiarias, de espanhóis e portugueses
Escapou de meus olhos azuis
Mas Vingren e Högberg
Com tanta sabedoria
Foram adotados como gatos

A fé febril que finalmente perdi
Como natimortos de top-models
Poderia ter sido restaurada por Vingren e Högberg
Eu daria uma ótima top-model
Com agulhas, vinhos e comprimidos

Uma mente burguesa como a minha
Não entende nada de Deus
Na verdade a burguesia deveria se declarar atéia
Deus é para os miseráveis e os milionários

Se eu me tornar um tórulo
E realizar semicúpio diariamente
É apenas fingimento, fingimento
Não se preocupe, Instituição
Amanhã eu estarei lá
Eu estarei lá como um monge

Instituição,
Por você eu desisti da minha fazenda de unicórnios
Por você eu desisti da minha beleza
Por você eu desisti da música
Por você eu desisti de entender

Não se preocupe
Não é um grande sacrifício
Com certeza Vingren e Högberg nem se importariam
Não é como mamar em um peito seco
Por assim dizer

Eu apenas sou honesto
E bom, e pai, e mãe, e filho, e neto
Por sua culpa, Instituição
Por sua grande culpa
Do contrário eu estaria perdido como um pierrô

Ostergotland Götabro Gustavsson
Ramo ré eu te avisei caruru
Smaland chibé Västergötland maniçoba
Soderlund Rönneholm Gotemburgo
Kihlstedt Ostra Husby Närke
Daniel Gunnar Gustav Fredrika

Ainda bem que eu tenho a minha instituição
Soderlund Skane

E nada me faltará
Liverpool, Massachusetts, Michigan

Minha casa
Amém.


Gian Luca

16/11/2010

Algumas novas descobertas musicais: Bessie Smith e Dinah Washington













Nesse momento da minha vida, elas conseguem acalmar meus nervos por alguns minutos. Espero que gostem.

09/11/2010

Luca que era Louco

Os mundos giram como velhas
Catando lenha em chão baldio.


T. S. Eliot


A morte tem estado aqui por um longo tempo.

Anne Sexton



Ontem eu tentei experimentar a perfeição por uns minutos
É incrível o que se pode fazer com uma cama e uma mente
Eu sabia a contagem, eu sabia
Mas foi o tempo necessário para saber
Que algo me espera calmo e irremediavelmente
Ontem eu vivi

Começou com a consciência negra
Pesada e sabida como mãos africanas
Presas, presas
Unidas como um enxame de abelhas
Um pote quadrado cheio de mel

Transformei-me
Acho que no meu melhor eu - em Deus
Uma espécie de milagre vertical
Tudo funcionando como uma família
Coração, pulmão, pés
Fardos embrulhados em pele de anjo

Mas eu acho que pequei, Senhor

Meus cabelos de Rossetti
Meus olhos brilhantes como vitrais de igreja
As minhas unhas são casas Strasbourguenses para vermes
A minha boca um puteiro para formigas
Meu corpo proliferando crateras como folhas de outono
As flores (todas as flores) se estendendo como árvores
Em ambas as laterais
Acima e abaixo dois ataúdes de mármore
Dentro de cada uma criança de 9 meses

Eu estou caminhando em direção à escuridão perfeita
A Morte é o grande conjunto da Vida
A Morte, a Morte
Fina e cara
Um homem-tigre de preto
Caminha com passos de Maria

Ele não é meu amigo nem meu inimigo
Já matei todos esses
Todas as minhas vergonhas e imperfeições
Toda a minha vida de tosse e sangue
Desaparecerão

Eu não decepcionarei mais ninguém
Nem matarei mais a natureza
Aquelas drogas ficarão pela metade
E Deus morrerá nos meus braços
Feliz

Agora serei escutado eternamente
E nunca mais, nunca mais
A partir do começo
Pronunciarei palavras de mulheres e de homens
Estripei as pelancudas e os gordos
Minha luta, minha luta!

Apenas pronunciarei a língua perfeita das crianças
Que são mais que perdoadas
São entendidas
E assim eu viverei

Não há mais grito!
Não há mais grito!
Ninguém morreu
Ninguém nunca morre
Mas eu matei todos com a minha perfeição

20 anos
E um aniquilamento redondo

Vida, Vida, sua puta, agora eu acabei.


Gian Luca

30/10/2010

Um dia

O sol como o peito de um demônio
Já fraco de respirar integridade e respeito
Invade minha casa como um mendigo - retraído retraído
Eu sempre tenho coisas mais importantes a fazer do que me importar
Mas hoje é diferente

Hoje eu fiz algo diferente
Como fazem os deuses
Hoje é o meu dia de não ser leite, nem biscoito, nem corte
Hoje serei formal como um executivo
Hoje eu serei você

Meu vestido violáceo
Tão certo como uma professora do primário
De ontem à noite ainda
Eu de quatro como uma anta - a memória é um cancêr
E hoje grudada no sofá como esperma seco

Uma caixa vazia estende-se ao meu lado
Ela chegou pelo correio
Embrulhada em papel amarelo
Cor de fraqueza, de vômito, de morte
A caixa é preta

Uma mulher mais importante já teria jogado a caixa fora
Embrulho de cor de pequenas virgens, sem remetente
Lisa, perfeita
Nada teatral obviamente
Não há arte em entregas de caixas vazias
Nem em caixas vazias para mulheres importantes

Mas a caixa me encara como um filho universitário
Não é fácil se desfazer de filhos
Apesar de que, por coincidência,
Eu ter me desfeito de um hoje
Mas ele não era universitário

Como foi fácil falar sobre isso!
Como se o sangue seco no quarto azul enjoativo
Tivesse se tornado uma obra de arte
E o bebê duro sobre a cama
Uma espécie de mictório de cabeça para baixo
Assinado: Bastardo

A caixa não era como a de Plath
Nem tinha bombons de uma avó recuperada
Era vazia, vazia, vazia
E tinha chegado a mim como um bonde
Sem desejo

Eu tinha um enterro para me preocupar
Enterros são ocasiões limpas, dóceis
Impregnados de ontens
Ontem eu de quatro como um anta
Fazendo biscoitos
E meu vestido violáceo

Pensar o que fazer com a caixa e
Enterrar
Muito trabalho!
Dia útil, finalmente!
Não quero acordar amanhã
Quero enterrar e encarar caixas vazias para sempre

Mas a caixa começa a me perturbar um pouco
Como aquelas conversas que duram mais do que quinze minutos
Eu tenho dificuldade em matar conversas
Mas é mais fácil do que se desfazer daquela caixa
Inviolável como todas as religiões

Há o enterro, o enterro!
Há de ser correto como uma missa dominical
Sem sustos, sem poesia, sem verdade
Deixo a caixa sozinha
E ela chora como um padre

No quintal eu sou a mais importante
O vento frio é uma praga de Deus
Que nos corta como a rotina
Que nos faz doentes como beatas
Esqueci a bíblia na casa ao lado
Há um serafim de porcelana na casa ao lado
Terrível como um marido gordo
Negro, verde, azul

O enterro me pareceu um esforço familiar
Daqueles que, depois que passam, parecem nunca ter existido
Eu nunca enterrei um bebê
Eu nunca fiz nada tão importante quanto isso
Negro, verde, azul
A terra tão perfeita, sem sujar as beiradas

A caixa não chora mais
Ela virou uma caixa vazia
Donzela no sofá carcomido
Amante, mãe e justa
Eu ainda não sei se ela me mata

Mas eu acho que vou ser obrigada a me livrar dela
Veja você:
Nada disso aqui é meu
Nem meu bebê era meu
Foi apenas uma questão de contrato
Acho que havia um homem de preto e duas mulheres gordas também...

Ele é como uma mulher importante
O rosto vermelho como uma salsicha
Poucas palavras, poucos acontecimentos
Um prato de sopa e metade de um talk-show

Ele nem vai reclamar muito do enterro
Vamos discutir mais por causa da caixa
Veja você:
Uma caixa vazia nunca chegou para mim pelo correio
É certo que eu também nunca matei um bebê

Mas uma caixa vazia nunca chegou para mim pelo correio
Já chegou flores, cartas, livros, bombons
E bebês morrem toda hora
Pessoas matam toda hora
Existe algo de bíblico no ato de matar
Como uma reza sincera
Então tudo bem

Mas caixas vaziam nunca chegaram para ninguém
Absurdo demais
Agora veja você:
Como eu vou me desfazer dela?

Gian Luca

25/10/2010

Vídeo da Exposição Vaga-Lumes




Vídeo feito pelo fotógrafo Ald Júnior que mostra um pouco da exposição Vaga-Lumes que aconteceu no dia 23/10/10. O vídeo traz fotos e depoimentos sobre a exposição.


O poema abaixo é o primeiro dos três que compõe o trabalho fotográfico/poético:


Um questionamento



Ele tem uma habilidade imprestável

Invejável? Talvez -

Ele sabe se isolar muito bem

Poucos seres humanos têm a coragem


Eu não vou dizer que ele não sofre

Eu não vou dizer que é apenas um processo

Eu não vou dizer que é para sempre

Ele se isola – E pensa, pensa, pensa


Eu acho que na rua, em casa, no trabalho, com os amigos

Ele se veste muito bem de ser humano

Faz parecer real, faz parecer mágico

E as pessoas o suportam com certo interesse


Mas eu acho que ele não quer ser apenas suportável

Ele tem uma meta falsa a cumprir

Aquela meta que as pessoas matam no berço

Ele a deixou escapar – O acaso é um puto, às vezes


O quarto é mais que um quarto

Só ele sabe – Só ele sabe muita coisa

Metafísica, Deus, pessoas, futuro

Não, ele não sabe sobre isso. Não


Ele se vestiu como um artista de cinema

Ou como um tolo

Uma espécie de desejo infantil

Acho que todo gênio é infantil


Eu acho mesmo é que ele se cansou lá de fora

Ele se cansou de engolir faróis, gente, responsabilidades

A boca pequena engasgando radiação

Um câncer de nascença e uma família para curar


Expelido como deuses num mundo velho

Sem poesia, sem desejos, sem sexo, sem destruição

Apenas passageiros balançando moles como bebês

E ele duro e selvagem como uma imagem


O quarto não é uma saída

O quarto também faz parte daquele mundo

Pequeno mundo, não-mundo, real mundo

Aos poucos caindo nas garras pretas do nada


Como o nada o persegue! Um abutre estufado!

Vestido de mentiras, de crianças, de justos, de mães

O seu único apoio sincero um guarda-chuva

Mudo e confiante como uma viúva


O telefone naquele recipiente de certezas

Estava pela metade (tudo está pela metade)

Ele tinha comido os fios – os cordões umbilicais

Revirando no seu ventre como um futuro infectado

Que o deixou estéril como uma estátua


Como a vida não foi o que ele queria!

Vida? Que vida?

Como ele queria que a vida tivesse sido?

Tudo, menos aquilo que é – Ou aquilo que seria provavelmente


Com esperança, sem esperança

A espera é a mesma

Os homens estão condenados a esperar

Amanhecer, anoitecer, morrer, o sol

Santo ou Chaplin – Naquele quarto é tudo a mesma coisa


Na verdade tudo é a mesma coisa a todo o tempo

As mesmas doenças, as mesmas decepções, os mesmos empregos

As mesmas desilusões, os mesmos sonhos, as mesmas percepções

Vamos encarar: o mundo é um saco de anjos


E ele, real demais, demais!

O problema dele sempre foi ser real demais

O mundo não suporta pessoas reais

As pessoas reais não suportam as pessoas reais


Ele é, ele é – Um grande deus

Uma máquina perfeita de ossos e brancura

Estendendo-se sem avidez e apático como um tapete

Como um homem de sucesso

Só eterno e insuportável.


Gian Luca.

15/10/2010

Exposição Vaga-Lumes!


Fotografias de Ald Junior juntamente com poesias de Gian Le Fou (foto) serão apresentadas dia 23, sábado, no espaço cultural Casa Aberta, Vitória.

A exposição Vaga-Lumes é um trabalho de introspecção humana que mistura poesia e fotografia e que tem como ponto central a melancolia gerada a partir da solidão, solidão essa que não determina a vida de ninguém e nem sela o futuro, mas um sentimento que faz parte de todos. O trabalho é carregado de várias interpretações, através das simbologias imagéticas e poéticas, e que serve como reflexão para as mentes que gostam de pensar a fundo.

O vídeo-teaser já foi postado aqui, mas postarei mais uma vez para quem não viu e também como forma de promover uma visão mais ampla do projeto:





A Casa também contará com uma festa dos anos 80 com a banda Utópicos Urbanos, cover do Barão Vermelho, e com o DJ Fabrício Magnoni.



Não perca!!

14/10/2010

Uma sedução

Você me estancou, meu querido

Você me estancou com vontade

Você me estancou como se eu fosse uma mulçumana

Como se eu não fosse feita de luz

Como se eu fosse uma boneca nova

Você me estancou e meu azul virou uma pérola


Eu passei anos aninhada como alcatrão

Sombras, sombras, sombras

E os espinhos crescendo como bebês

Você com essa sua cara de trabalhador, honesto

A sua luz é luz de farol, de máquina, de motel

A minha luz é pura como a da Virgem


Mas você a estancou

Passei anos fechada como um ovo que não apodrecia

Eu estava grávida de um hipopótamo

Ou de um esquilo

Ou de um formaldeído

Nem o sal melhorava meu enjôo


E olha que eu tentei

Eu pensei que aquele nosso quarto iria nos devorar

Como as mães devoram os filhos

Você estaria dormindo, é claro

Você dorme como uma enfermeira

Você dorme como um homem


E eu sou a árvore negra e a árvore negra

Os frutos verdes e vermelhos – Os frutos pretos

Uma árvore natalina

Eu consegui fingir por muito tempo

Eu finjo como uma dona de casa


Mas a minha luz tem água

Você esqueceu de me secar

Como as mães esquecem os filhos

E você, branco cálcio

É de material utilizável

Você não é totalmente imprestável

Eu te curei, eu te curei


Com os meus galhos eu vou te agarrar

A Lua morta nem liga

Ela está ocupada em ser eterna

Algo vai se partir - Alguma coisa sempre se parte

Em nós

Você irá ser destruído apesar


Acetileno acetinelo

Se foi como o degelo

Lento como a morte

Você não é mais meu polônio



Agora a minha luz jorra como Chernobyl.

Gian Luca

09/10/2010

A mulher

A gente se amou tanto
naquele quarto que era como uma caixa de sapato
em chamas
abafado como uma igreja
esperançoso como uma bíblia
nunca mais ouvimos música
nunca mais lemos um livro
você parecia tão real
eu era real - real
eu era feita de línguas e olhos e mãos
como os bebês são feitos
você era feito de imaginação de mulher
a louca
a cicatrizada
a esperta
a carente como uma estudante
você era o homem de perfil
puro como um velho
que explodiu
em confissão.

Gian Luca

08/10/2010

Afirmação

Eu sou o bebê saudável de Deus
Amigo, como nos amamos!
Você, um prato de cobre
Eu, uma pomba de rua

Você é corajoso como um nazista
Você é corajoso como um homem
Você é corajoso como uma mulher
Você é corajoso como uma criança
Você é corajoso como um idoso
Você é corajoso como um paralítico
Você é corajoso como um mendigo
Você é corajoso como um classe-média
Você é corajoso como uma pessoa rica

Amigo, como nos amamos!
Você conseguiu não me criar
Eu sempre fui demais, demais
Demais para você

Uma gota de sangue negro no olho
E um quase-suicídio
Uma quase-poesia
Esses quases são demais para você

Você não poderia ter criado alguém como eu
Não, não, não
Definitivamente
A suas criações são completas e só

Eu sou algo mais
Minhas fezes infeccionam um passante.


Gian Luca

07/10/2010

Passado

Foi a primeira coisa que me chamou atenção
É difícil algo me chamar atenção
A maioria das coisas é uma parede
Pintada por crianças imbecis

A careca da mulher era como uma omelete de presunto em prato branco
O lenço que cobria o erro parecia uma cobra magra faminta
Querendo se esquivar para ilustrar outro erro
Outra pessoa, quero dizer

Eu segurava meu livro, meu infinito
Como se ele fosse uma pílula pra dormir
Eu já iria sentar
Para ler uma história interessante

Tudo o que a mulher via era como um glóbulo colorido
De formas e cores bem definidas
Tão definidas como uma lápide
Tão real que ela jamais alcançaria

Tudo o que ela havia tocado até aquele momento
Havia queimado como o hálito de um bêbado
Família, amigos, colegas de trabalho
Ela não teve como controlar

O mensageiro da doença
Esbranquiçava seus olhos
Um ir e vir
Como a contração do ânus

Eu era como um xamã
As crianças grudavam em mim
Como se eu fosse um pirulito rosa

A mulher teve a chance dela

Ela teve.


Gian Luca

06/10/2010

Na parte velha da cidade.

Uma estátua de alcaçuz
Vermelha como o nascimento
Na praça

Eu nunca fui ou deixei de ser ou nunca serei
Eu sou
Minha retina branca de ver tudo
Cada ser humano um aniquilamento
Cada prédio algo mais
Cada animal Deus

As formigas são companheiras do silêncio
Elas não me devoram como fazem os pais
Eu sou a criança-pérola, não sou de criança nenhuma
As minhas companheiras passam por mim como o destino

O sol irradia, somos iguais
Alguns de seus raios se escondem
Por debaixo das minhas juntas como vermes
Obviamente eles não irão me destruir
Como farão com você, meu admirador

A grama por debaixo dos meus pés
É tão diferente de uma língua materna
Ela é aparada todo mês, ela não me corrompe
Não me tapa um tiquinho sequer
Eu sou a estátua, a estátua

E eu sou a Arte, a Eternidade, a História,
A Passagem, a Indiferença, a Admiração, a Insensatez,
O Mundo

Eu sou Deus, quero dizer.

Gian Luca

03/10/2010

De branco

Há um terror branco como uma cera
Ainda em forma líquida
Solidificando-se como um feto
Uma espécie de conhecimento proibido
Proibido

Ele pesa em mim como uma vaca morta
Eu pari essa vaca
Dei de mamar
Abençoei
Vi-a crescer, sorrir, amarelar
E não fiz nada
Agora ela está morta
Morta sobre mim

A morte grudou em mim como uma sanguessuga
Ela sempre precisa de mais uma
A morte instalou-se na minha casa e em mim
Como uma tia cadeirante

Toda noite ela flutua
E drena meu sangue usando uma taça de ouro
E, como a outra, ela deixa meu marido em paz
Paz, paz, paz
Ela consegue a proeza

Meus filhos ela nem conhece
Não faz questão
Ainda são muito novos
Eles brincam como espuma, como orvalho, como pássaros
Ainda há tempo

Eu, Lucy, de branco limpa
A enganada
Os médicos não sabem de nada, de nada
Eu os expulsei como se expulsa uma enfermeira
O caçador, aquele patife
Muito menos
Ele brinca de frascos

O dia inteiro
Eu vivo para recuperar meu sangue
Que irá ser drenado de novo, e de novo
E eu sei disso
O pior é que eu sei

Se ao menos eu pudesse renascer
Aquela que destruiria tudo como o vento
Aquela que esqueceria marido, filhos, casa
Os ossos obsoletos

Aquela, aquela, aquela
Que viveria nas sombras, nas sombras.

Gian Luca

30/09/2010

Rainha

Eu sou uma rainha - Uma fênix branca e manchada
Um crânio - Sem bebês
Meu Rei existe - Um porco minúsculo
Meus súditos - Todos porcos médios

Porcos, porcos, porcos
Eles comem como porcos
Cagam como porcos
Morrem como porcos
Todos, todos

Eu nunca escrevi nada
E eles me idolatram
Como podem idolatrar alguém
Que nunca escreveu nada?

Apenas porque sou vermelha e efêmera
Eles me idolatram
Não existe outra explicação, não existe
Eles guincham e agarram as minhas vestes (não parem!)

A minha solidão é terrível - Ganchos e camas e comida
Eu rezo - Fraca
Para alguém me salvar - Um homem grande
Por favor, por favor...

Eu acho que Deus abandona as rainhas - O terror de ser amada
Elas são muito poderosas
Ele é muito homem

Mesmo assim
Por favor, por favor...

Gian Luca.

29/09/2010

Eu não vejo

Eu não vejo – O céu é um cobertor de ônix

Ele não vai me dar jóias. Ele é feito de pedras

Ele vai me dar apenas mais uns dias, uns dias

Que chatice

Viver sob a prepotência de Deus

Quem Ele pensa que é

Para destruir o meu nada

E não me dar jóias? Não me dar jóias?

Deus extinguiu todo o monóxido de carbono

E não vai me dar jóias

O céu é um cobertor de ônix

Antes era de rubi e eu ainda amava

Queimava, não reinava

Agora eu sou gelada como um peixe de feira

O olho penetrante é algo que me resta – O olho é uma harpa

Eu escrevi poesia com esse olho

Pena que ele será arrancado por uma velha

Na ceia dos Vivos

Porque o céu é um cobertor de ônix

E as pessoas o sentem, por milagre.


Gian Luca

28/09/2010

O Rei e Eu

O professor de literatura inglesa tinha acabado de fazer uma interpretação, junto aos seus alunos, de um poema de Robert Burns, o grande escocês. Eu estava pensando sobre o poema, achando que não ele era tão simples como parecia, como todos ali naquela sala estavam pensando que era, inclusive o professor, para o meu horror. Após perguntar se alguém tinha alguma dúvida sobre o poema, eu hesitei, mas não resisti e perguntei:

- Professor, eu acho que tem algo errado na interpretação que vocês fizeram. Só para ver se eu entendi direito: o que você e o resto da turma estão alegando é que o eu lírico do poema não quer que a sua amiga declare seu amor por ele afim da amizade entre os dois não ser perturbada, é isso?

- Sim, Fred. Ele prefere manter a relação como está, e tem medo que se a mulher do poema declare seu amor, a amizade entre os dois possa terminar. Como o Carlos disse, provavelmente esse poema representa um prelúdio para o que viria a ser um grande tema do Romantismo: o amor platônico.

Eu estava cada vez mais aterrorizado e disse, movimentando minhas pernas do jeito que a cafeína permitia:

- Mas professor, isso não faz sentido algum. Admitindo que o eu lírico do poema seja hétero, como é possível que ele recuse o amor de uma mulher por causa da amizade? Aliás, meu Deus, como é possível que um homem hétero tenha amigas, em primeiro lugar?

A turma estava entediada, como sempre. Eu era sempre o estertor fugaz daquelas pequenas cabeças. O professor e eu não ligávamos para esse fato, é claro, então ele continuou, achando meu argumento muito interessante:

- Fred, eu acho que ele podia ter muito bem amigas e não querer ser mais que um amigo para elas. Porque não?

Eu estava ansioso, prossegui:

- Mas é porque eu não consigo conceber essa idéia: a de um hétero ter amigas e não sentir desejo sexual por elas. Para mim é inconcebível a idéia do eu lírico estar negando o amor dessa mulher, a não ser que ele seja gay, o que eu acho que não é o caso. Até mesmo se ele fosse casado, seria mais um motivo dele não ter amiga nenhuma.

- Fred, aonde você quer chegar? Eu não estou...

- Eu quero dizer que...

Uma amiga minha, louca para que aquela discussão sem propósito terminasse (pois o único propósito em que ela acreditava era o de viver na ignorância total) se pronunciou:

- Fred, você é gay, certo?

Eu acenei afirmamente com a cabeça, vitorioso, já sabendo que meu propósito fora atingido. Ela continuou:

- Então, você é gay e você tem amigos homens, gays ou não, certo? Você por acaso sente desejo sexual por todos eles?

A sala tinha saído consideravelmente daquele estado de torpor pós-moderno. Eu sorria e respondi:

- Mas é exatamente esse o ponto aonde quero chegar: eu sinto atração sexual por todos, ou por quase todos os homens que eu vejo ou me relaciono. Apesar de eu não querer ir para cama com todos eles, ou beijá-los. Então eu acho que o eu lírico se refere a um homem. O eu lírico, sendo hétero, não quer comprometer a amizade com seu amigo gay, que está totalmente apaixonado.

Agora a sala estava atenta. Finalmente! Era como se o espírito do Caxinguelê de Lewis Carroll tivesse desencarnado daquelas almas mortas. A minha amiga apenas disse, derrotada:

- Então está certo, se você pensa assim. Mas eu ainda não concordo. Eu não sinto atração por todos os homens.

É claro que ela não concordava. E é claro que ela sentia atração por todos os homens, exceto talvez, os sem nariz ou orelhas.

O resto da discussão não precisa ser relatado aqui. Meus argumentos eram mais fracos que frascos, claro que eu sabia disso, até sentia um pouquinho de arrependimento. Mas que se danasse a minha ignorância, eu já tinha ganhado a atenção de todos naquela sala, logo, eu já tinha ganhado o dia.

Atenção é essencial.

Moving on, little people!


Gian Luca

Odeio, odeio

detesto toda escrita
virar poesia
como essa.





Gian Luca.

Educação Física

a educação física é uma
prática
nazista
somente para os machos pequenos
muito pequenos as bichas ficam
de fora
ou se matam aos 40.





Gian Luca.

27/09/2010

Nada ao mesmo tempo

Hoje em dia você le
cuida do filho faz sexo telefona tudo ao mesmo tempo
compra no e-bay pra economizar tempo.








Gian Luca.

Hitler Lua Fria

O século XX foi um
horror.





Gian Luca

lá lá lá

A liberdade poética
Dá-me uma liberdade
absurda e me deixa cheio de

dúvidas





Gian Luca