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27/11/2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (2010)



No momento em que escrevo essa crítica estou ouvindo a canção O Children, do cantor australiano Nick Cave, canção essa que faz parte da trilha sonora do penúltimo Harry Potter. Ela é tocada numa das cenas mais belas do filme (e de toda a série), quando Harry (Daniel Radcliffe) tira Hermione (Emma Watson) para dançar, numa tentativa de descontração em meio ao caos que estão as suas vidas. A seqüência foi uma liberdade, dentre algumas outras, que o diretor David Yates (dos dois filmes anteriores) sabiamente tomou, fugindo das palavras escritas de J. K. Rowling, mas nunca fugindo do espírito da saga da escritora.

Apenas uma breve recapitulação: No filme anterior, Dumbledore (Michael Gambom) revela a Harry que o único meio de acabar com Voldemort (Ralph Fiennes) é destruindo as partes de sua alma que estão dividas em sete, as chamadas horcruxes. Duas já estão fora da jogada, o diário de Tom Riddle (destruído por Harry na Câmara Secreta) e um anel, esse último pelo próprio Dumbledore. Agora falta quatro, a sétima é o pedaço da alma que ainda está no corpo de Voldemort. Além das horcruxes poderem estar em qualquer lugar do mundo, para piorar Dumbledore morre. O mago deixa para seu pupilo enfrentar sozinho (com a ajuda de Rony e Hermione, é claro) o desafio que será o maior de sua vida.

Sendo assim, o que resta agora para o trio é ir atrás desses artefatos amaldiçoados. As Relíquias da Morte: Parte 1 começa com o tom sombrio e preocupante deixado no término do anterior. Hermione apaga a memória dos pais, para que eles não se lembrem da filha caso ela morra (no livro esse acontecimento é apenas citado pela garota, Yates fez questão de filmá-la). Os Dursley deixam a sua adorada casa e se escondem sob a proteção da Ordem da Fênix, e Rony (Rupert Grint) ouve com tristeza o chamado de sua mãe para o jantar, já sabendo que esse será uma das últimas refeições familiares que ele fará antes da grande jornada.

Entra o logotipo da Warner, agora todo enferrujado. Sai o logotipo da Warner e somos conduzidos por Snape (Alan Rickman) até a mansão dos Malfoy, lugar onde está reunida toda a grande escória do mundo bruxo (os Comensais da Morte) sob a narina ofídia e as mãos cadavéricas de Lord Voldemort. A passagem que se segue é cuidadosamente forjada para que o espectador sinta, aos poucos, que será impossível ver, ao longo da projeção, qualquer vestígio do espírito ingênuo e previsível criado por Chris Columbus nos dois primeiros filmes. Para quem acompanhou a saga ao longo desses quase dez anos, fica quase impossível lembrar-se daqueles filmes que marcaram a infância de tanta gente (a não ser talvez, ironicamente, na cena da dança citada no primeiro parágrafo). Na mansão dos Malfoy, uma professora de Hogwarts é torturada, morta e servida de refeição para a cobra do Lorde das Trevas. A inocência acabou.

Após o casamento do irmão mais velho de Rony, Gui Weasley (já presente nos livros há bastante tempo, mas tendo sua primeira aparição apenas agora) e Fleur Delacour (a competidora do Torneio Tribuxo em O Cálice de Fogo), o trio foge do ataque dos Comensais da Morte e vão parar numa avenida trouxa. A partir daí, Harry, Rony e Hermione procuram esconderijos ao mesmo tempo em que tentam descobrir onde estão as horcruxes. Com um ataque do mal atrás do outro, eles passam da casa de Sirius para várias florestas e penhascos. Esqueça Hogwarts. Agora ela está apenas presente na imaginação dos garotos e na espiada que Harry dá no Mapa do Maroto.

A decisão de dividir o livro em dois filmes não poderia ter sido mais acertada. Com tempo de sobra, Yates desenvolve sem pressa praticamente todo o conteúdo presente na obra de Rowling. Ao contrário de Columbus, que, apesar de ter sido o mais fiel, deixou A Pedra Filosofal e A Câmara Secreta episódicos demais, uma copia e cola que se desvalorizou rapidamente, Yates deixa As Relíquias da Morte com uma fluidez digna das melhores adaptações literárias vistas nos últimos vinte anos, sem cortes absurdos e liberto de diálogos disfuncionais, características que tanto marcaram os filmes anteriores, com exceção ao sexto.

A seqüência no Ministério da Magia, aonde o trio vai à busca de uma horcrux, é extraordinária. Yates tira o máximo de proveito do aspecto político empregado por Rowling, que remete fortemente ao nazismo. No caso do mundo bruxo, os ditos sangue-puros (aqueles que nasceram de pais bruxos) caçam os sangue-ruins (nascido de pais trouxas), esse últimos correm então o risco de perder seu direito a magia. Yates e o designer de produção Stuart Craig dão ao Ministério um assombroso ar germânico dos anos 30, abusando das cores azul escuro, preto e verde amarelado. O figurino é dominado por jaquetas de couro escuras para os homens e terninhos listrados para as mulheres. Uma sangue-ruim em processo de julgamento usa uma vestimenta cinza que remete a uma judia perseguida. Panfletos com tarjas vermelhas produzidos em série por empregados vidrados e uma estátua mostrando trouxas esmagados sob a frase ‘Magia é Poder’ fornecem ainda mais semelhanças com as perseguições reais contra diferentes raças. A semelhança é tão grande que esperamos Joseph Goebbels sair de uma das lareiras do hall a qualquer momento.

As performances de Radcliffe, Watson e Grint, que já vinham melhorando exponencialmente desde A Ordem da Fênix, não poderiam estar melhores. Radcliffe parece ter finalmente entendido o seu papel de herói, e apesar de ainda manter alguns trejeitos duros, o ator consegue encarnar um Harry totalmente perdido, decepcionado, mas ainda com algum resquício de esperança. Grint deixa a caricatura de lado e coloca Rony na difícil posição de melhor amigo do Eleito, através de seu olhar penetrante e questionador. Mas, como sempre, é Watson que rouba cada momento em que está em cena (quase todos). Com seu cenho sempre franzido e uma voz suave, mas pesarosa, ela deixa Hermione na posição de mãe dos amigos, tentando esconder sua insegurança e temores para ter força em continuar junto a Harry.

Rickman, Fienes, Helena Bonham Carter (Bellatrix Lestrange) e Julie Walters (Molly Weasley), apesar de pouco tempo na tela, cumprem seus papéis com uma dedicação admirável. Fiennes desliza na pele do vilão, Rickman, com sua voz grave, mantém o mistério que cerca o personagem, Carter enlouquece de vez e Walters é admirável em passar tristeza a abatimento apenas com um simples olhar. Somos apresentados a dois personagens importantes, o novo Ministro da Magia, Rufus Scrimgeour (Bill Nighy exagerando demais no sotaque) e Rhys Ifans, que interpreta o atormentado Xenófilo Lovegood, pai de Luna. Ambos são bem aproveitados, assim como Jason Isaacs, na pele de Lucius Malfoy, que transmite com proeza o desespero de sua nobreza e respeito falidos.

A maior e mais inspiradora liberdade de Yates foi ter transformado um conto narrado por Hermione em uma animação ao nível dos desenhos de Tim Burton, um dos pontos mais altos do filme. Uma participação maior do elfo Monstro e a volta de Dobby, em grande estilo, que nos conduz ao tristíssimo climax, nos levam a perceber o cuidado do diretor em se manter fiel ao livro, tanto para a felicidade dos fãs quanto para a felicidade de qualquer um que goste de um filme de fantasia grandioso. Relíquias da Morte: Parte 1 ainda não chegou ao tão esperado nível de obra-prima, mas com a segunda parte vindo por aí, as chances de Harry Potter finalmente ganhar esse status são grandes.

19/11/2010

As Melhores Coisas do Mundo (2010)


Você quer conhecer o inferno? Ele é aqui!

A fala é dita num momento de fúria por Hermano, o personagem vivido por Francisco Miguez, para o seu pai. E o inferno a que ele se refere é a escola onde estuda. E não, não é nenhuma escola caindo aos pedaços de uma favela, pelo contrário, Hermano estuda numa escola de classe média alta. E é lá que o inferno se dá.

As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky, é uma baita surpresa boa. Reconhecer a qualidade do atual cinema nacional está cada vez mais fácil, sem dúvida. Porém, o cinema de qualidade do Brasil ainda está muito restrito a certo tipo de gênero, que poderia ser classificado como uma espécie de policial sanguinário favelístico. Quando se trata de um filme urbano, de classe média, o medo de nos depararmos com um episódio de Malhação estendido é louvável. Confesso que nos primeiros minutos de projeção, ao ver o nome de Fiuk e Paulo Vilhena nos créditos, eu já estava pensando: Em que diabos fui me meter? Puro preconceito.

Hermano e Pedro (o filho lindo de Fábio Júnior) passam por frustrações comuns na vida de qualquer adolescente, Pedro numa escala maior e mais dramática, mas ainda bastante crível dentro de sua redoma de vidro. Os dois dividem um grande drama em comum: o pai, Horácio (vivido discretamente por Zé Carlos Machado), abandona a família ao descobrir sua verdadeira sexualidade e passa a morar com o namorado, Gustavo (Gustavo Machado). Horácio não deixa de prover nada para a família, ele continua a cumprir seu papel de pai dentro do possível, mas nada disso importa para os filhos, que sofrem as já esperadas gozações dentro da escola, o tão em voga bullying. Hermano chega a ser espancado por valentões bombados. E a cena em que os irmãos se abraçam, quando não aguentam mais a pressão, é de uma sinceridade sensacional.

Aliás, o bullying é um dos temas-chave da película de Bodansky. Duas garotas, uma linda, loura e peituda e a outra, que se veste como um garoto, também sofrem nas mãos desses adolescentes revestidos de hormônios em ebulição. A primeira é vitima devido a uma foto nua que vaza e vai parar no celular de todo mundo, a outra, bom, é óbvio, vítima da intolerância dentro dessa selva, em que o veadinho inofensivo da vez muda a cada semana. E tudo isso filmado por uma blogueira picareta, também aluna, que não mede escrúpulos para ganhar acessos no seu blog.

Denise Fraga, infelizmente, carrega uma carga dramática exagerada, com olheiras incompreensíveis e um senso de ética e postura como se fosse uma palestrante chata. Felizmente, ela é dona da mais bela cena do filme, e uma das mais belas, sinceras e originais passagens que já vi nos últimos tempos: no auge de seu desespero (ou quase auge, já que o filho mais velho tentará se matar mais tarde), ela e Hermano descontam suas raivas jogando uma dúzia de ovos na parede da cozinha. A gema escorrendo pelas fotos na parede é genial, ao representar, ao mesmo tempo, tanto a desconstrução daquela família aos pedaços quanto um renascimento da mesma. Maravilhoso.

Outra bela surpresa é a belíssima Gabriela Rocha, que interpreta Carol, a melhor amiga de Hemano e apaixonada pelo professor de Física, Artur (Caio Blat, também em um papel discreto, mas que sabe tirar o máximo dele). Rocha consegue com maestria deixar o seu personagem o mais natural possível e não se entregar aos maneirismos de telenovelas. E para finalizar esse mar de surpresar, temos um Paulo Vilhena interpretando Marcelo. Amadurecido, o papel do ator é de um professor de violão de Hermano, que pode ser encarado como uma espécie de pai para o menino. Vilhena leva seu papel tão a sério, que sentimos uma dorzinha no coração quando descobrimos que ele viajou para a Europa e não vai continuar com as aulas durante pelo menos seis meses. Já vale a sessão se o espectador mais exigente conseguir simpatizar desse jeito com Vilhena, e também com Fiuk, o personagem mais complexo da trama. Fiuk não é nem de longe genial, mas também tenta se livrar ao máximo da postura global que poderia tornar o personagem um burguesinho vazio.

Difícil tachar as falas dos adolescentes de clichês. Eu diria ser um clichê necessário, afinal, quando se tem 15 ou 16 anos, fica difícil elevar muito o padrão dos diálogos, que pode acabar se tornando algo forçado e pseudo-intelectual. Por isso acho que Bodanzky fez a escolha certa em manter certas expressões características dessa idade, com a devida habilidade de deixá-las mais naturais possíveis, o que às vezes não é totalmente bem-sucedido, porém mais por conta dos atores jovens (muitos começando a carreira agora) do que por um possível desleixo da diretora.

Sendo assim, com tantos aspectos positivos e um final, ao som de Something dos Beatles (interpretado pelo próprio Miguez), que deixa um gosto de quero mais (muito mais), As Melhores Coisas do Mundo pode não ser nenhuma obra-prima, mas é mais relevante do que a maioria das bobagens americanas lançadas por aí sobre adolescentes.

17/11/2010

1879

“Caro professor, notificamos ao senhor um corte do terço do salário de novembro devido
à sua negligência em participar do Encontro Nacional de Professores de Inglês...”

...e suas expectativas irrelevantes para a educação brasileira.

Mas então eu preciso ser justo:
Você pode ter sorrido com o que eu escrevi
Mas não é certo judiar de instituições
Elas formam pele, carne, osso e alma
Na verdade elas comeram a minha alma.

Eu tentei fugir como um leopardo
Das garras de Vingren e Högberg
Vingren e Högberg
Vingren e Högberg

Dois corrimões de um hospital novo
De um lugar distante
Limpos e cinzas como enfermeiras
Reescrevem a Bíblia

A palavra de Deus
Coerente como médicos
Santifica castanhas e nativos
O sangue é o vinho da ceia
E as risadas tem o barulho de caixas de arquivo

Invejo Vingren e Högberg
Não apenas pelos seus nomes gelados
Mas porque vieram de tão longe
Com a força de um paciente terminal
E transformaram seus olhos em espelhos da verdade

O Brasil que nunca tive
Cheio de rios, de especiarias, de espanhóis e portugueses
Escapou de meus olhos azuis
Mas Vingren e Högberg
Com tanta sabedoria
Foram adotados como gatos

A fé febril que finalmente perdi
Como natimortos de top-models
Poderia ter sido restaurada por Vingren e Högberg
Eu daria uma ótima top-model
Com agulhas, vinhos e comprimidos

Uma mente burguesa como a minha
Não entende nada de Deus
Na verdade a burguesia deveria se declarar atéia
Deus é para os miseráveis e os milionários

Se eu me tornar um tórulo
E realizar semicúpio diariamente
É apenas fingimento, fingimento
Não se preocupe, Instituição
Amanhã eu estarei lá
Eu estarei lá como um monge

Instituição,
Por você eu desisti da minha fazenda de unicórnios
Por você eu desisti da minha beleza
Por você eu desisti da música
Por você eu desisti de entender

Não se preocupe
Não é um grande sacrifício
Com certeza Vingren e Högberg nem se importariam
Não é como mamar em um peito seco
Por assim dizer

Eu apenas sou honesto
E bom, e pai, e mãe, e filho, e neto
Por sua culpa, Instituição
Por sua grande culpa
Do contrário eu estaria perdido como um pierrô

Ostergotland Götabro Gustavsson
Ramo ré eu te avisei caruru
Smaland chibé Västergötland maniçoba
Soderlund Rönneholm Gotemburgo
Kihlstedt Ostra Husby Närke
Daniel Gunnar Gustav Fredrika

Ainda bem que eu tenho a minha instituição
Soderlund Skane

E nada me faltará
Liverpool, Massachusetts, Michigan

Minha casa
Amém.


Gian Luca

16/11/2010

Algumas novas descobertas musicais: Bessie Smith e Dinah Washington













Nesse momento da minha vida, elas conseguem acalmar meus nervos por alguns minutos. Espero que gostem.

09/11/2010

Luca que era Louco

Os mundos giram como velhas
Catando lenha em chão baldio.


T. S. Eliot


A morte tem estado aqui por um longo tempo.

Anne Sexton



Ontem eu tentei experimentar a perfeição por uns minutos
É incrível o que se pode fazer com uma cama e uma mente
Eu sabia a contagem, eu sabia
Mas foi o tempo necessário para saber
Que algo me espera calmo e irremediavelmente
Ontem eu vivi

Começou com a consciência negra
Pesada e sabida como mãos africanas
Presas, presas
Unidas como um enxame de abelhas
Um pote quadrado cheio de mel

Transformei-me
Acho que no meu melhor eu - em Deus
Uma espécie de milagre vertical
Tudo funcionando como uma família
Coração, pulmão, pés
Fardos embrulhados em pele de anjo

Mas eu acho que pequei, Senhor

Meus cabelos de Rossetti
Meus olhos brilhantes como vitrais de igreja
As minhas unhas são casas Strasbourguenses para vermes
A minha boca um puteiro para formigas
Meu corpo proliferando crateras como folhas de outono
As flores (todas as flores) se estendendo como árvores
Em ambas as laterais
Acima e abaixo dois ataúdes de mármore
Dentro de cada uma criança de 9 meses

Eu estou caminhando em direção à escuridão perfeita
A Morte é o grande conjunto da Vida
A Morte, a Morte
Fina e cara
Um homem-tigre de preto
Caminha com passos de Maria

Ele não é meu amigo nem meu inimigo
Já matei todos esses
Todas as minhas vergonhas e imperfeições
Toda a minha vida de tosse e sangue
Desaparecerão

Eu não decepcionarei mais ninguém
Nem matarei mais a natureza
Aquelas drogas ficarão pela metade
E Deus morrerá nos meus braços
Feliz

Agora serei escutado eternamente
E nunca mais, nunca mais
A partir do começo
Pronunciarei palavras de mulheres e de homens
Estripei as pelancudas e os gordos
Minha luta, minha luta!

Apenas pronunciarei a língua perfeita das crianças
Que são mais que perdoadas
São entendidas
E assim eu viverei

Não há mais grito!
Não há mais grito!
Ninguém morreu
Ninguém nunca morre
Mas eu matei todos com a minha perfeição

20 anos
E um aniquilamento redondo

Vida, Vida, sua puta, agora eu acabei.


Gian Luca