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28/09/2010

O Rei e Eu

O professor de literatura inglesa tinha acabado de fazer uma interpretação, junto aos seus alunos, de um poema de Robert Burns, o grande escocês. Eu estava pensando sobre o poema, achando que não ele era tão simples como parecia, como todos ali naquela sala estavam pensando que era, inclusive o professor, para o meu horror. Após perguntar se alguém tinha alguma dúvida sobre o poema, eu hesitei, mas não resisti e perguntei:

- Professor, eu acho que tem algo errado na interpretação que vocês fizeram. Só para ver se eu entendi direito: o que você e o resto da turma estão alegando é que o eu lírico do poema não quer que a sua amiga declare seu amor por ele afim da amizade entre os dois não ser perturbada, é isso?

- Sim, Fred. Ele prefere manter a relação como está, e tem medo que se a mulher do poema declare seu amor, a amizade entre os dois possa terminar. Como o Carlos disse, provavelmente esse poema representa um prelúdio para o que viria a ser um grande tema do Romantismo: o amor platônico.

Eu estava cada vez mais aterrorizado e disse, movimentando minhas pernas do jeito que a cafeína permitia:

- Mas professor, isso não faz sentido algum. Admitindo que o eu lírico do poema seja hétero, como é possível que ele recuse o amor de uma mulher por causa da amizade? Aliás, meu Deus, como é possível que um homem hétero tenha amigas, em primeiro lugar?

A turma estava entediada, como sempre. Eu era sempre o estertor fugaz daquelas pequenas cabeças. O professor e eu não ligávamos para esse fato, é claro, então ele continuou, achando meu argumento muito interessante:

- Fred, eu acho que ele podia ter muito bem amigas e não querer ser mais que um amigo para elas. Porque não?

Eu estava ansioso, prossegui:

- Mas é porque eu não consigo conceber essa idéia: a de um hétero ter amigas e não sentir desejo sexual por elas. Para mim é inconcebível a idéia do eu lírico estar negando o amor dessa mulher, a não ser que ele seja gay, o que eu acho que não é o caso. Até mesmo se ele fosse casado, seria mais um motivo dele não ter amiga nenhuma.

- Fred, aonde você quer chegar? Eu não estou...

- Eu quero dizer que...

Uma amiga minha, louca para que aquela discussão sem propósito terminasse (pois o único propósito em que ela acreditava era o de viver na ignorância total) se pronunciou:

- Fred, você é gay, certo?

Eu acenei afirmamente com a cabeça, vitorioso, já sabendo que meu propósito fora atingido. Ela continuou:

- Então, você é gay e você tem amigos homens, gays ou não, certo? Você por acaso sente desejo sexual por todos eles?

A sala tinha saído consideravelmente daquele estado de torpor pós-moderno. Eu sorria e respondi:

- Mas é exatamente esse o ponto aonde quero chegar: eu sinto atração sexual por todos, ou por quase todos os homens que eu vejo ou me relaciono. Apesar de eu não querer ir para cama com todos eles, ou beijá-los. Então eu acho que o eu lírico se refere a um homem. O eu lírico, sendo hétero, não quer comprometer a amizade com seu amigo gay, que está totalmente apaixonado.

Agora a sala estava atenta. Finalmente! Era como se o espírito do Caxinguelê de Lewis Carroll tivesse desencarnado daquelas almas mortas. A minha amiga apenas disse, derrotada:

- Então está certo, se você pensa assim. Mas eu ainda não concordo. Eu não sinto atração por todos os homens.

É claro que ela não concordava. E é claro que ela sentia atração por todos os homens, exceto talvez, os sem nariz ou orelhas.

O resto da discussão não precisa ser relatado aqui. Meus argumentos eram mais fracos que frascos, claro que eu sabia disso, até sentia um pouquinho de arrependimento. Mas que se danasse a minha ignorância, eu já tinha ganhado a atenção de todos naquela sala, logo, eu já tinha ganhado o dia.

Atenção é essencial.

Moving on, little people!


Gian Luca

1 comentários:

juliana lima disse...

Genial, Gí. Você devia escrever mais coisas assim, eu compraria o livro! Hahaha