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03/07/2010

Poetas preferidos (alguns)

Para o meu amante, de regresso à sua mulher

Ela está toda ali
Ela derreteu-se cuidadosamente para ti
Moldou-se desde a tua infância, moldou-se a partir das tuas cem colegiais favoritas

Ela esteve sempre ali, meu querido,
Ela é de facto requintada,
Fogo-de-artifício no monótono meio de Fevereiro
E tão real como uma caçarola de ferro fundido

Encaremos o facto, tenho sido um momento
De luxúria. Um aviso vermelho brilhante no porto.
O meu cabelo subindo como fumo da janela do carro.
Amêijoas fora de estação.
Ela é mais do que isso. Ela é o teu ter por ter,
Fez desenvolver o teu prático e tropical crescimento.
Isto não é uma experiência. Ela é toda harmonia.
Ela olha para os remos e toletes das baleeiras,

Colocou flores silvestres à janela ao pequeno-almoço,
Ei-la sentada no torno do oleiro ao meio-dia,
Pôs cá fora três crianças ao luar,
Três querubins desenhados por Miguel Angêlo,
Fez isto com as suas pernas abertas
Nos terríveis meses na capela.
Se deres uma vista de olhos, as crianças estão ali
Como delicados balões suspensos no tecto.

Ela trazia também cada uma para o hall
Depois da ceia, as cabeças inclinadas por respeito,
Duas pernas protestando, pessoa a pessoa,
A face corada com uma canção e o seu sono.

Devolvo-te o teu coração.
Dou-te permissão _
Para o rastilho dentro dela, palpitante
Iradamente na lama, para a cabra nela
E o enterro da sua ferida _

Para o pálido e trémulo fulgor debaixo das costelas,
Para o marinheiro bêbedo que espera no seu pulso esquerdo,
Para o colo da mãe, para as meias,
Para o cinto de ligas, para a chamada _
A curiosa chamada
Quando desapareceres e braços e seios
E puxares a fita cor de laranja nos cabelos dela
E responderes à chamada, a curiosa chamada.

Ela é tão nua e singular.
Ela é a soma de ti e do teu sonho.
Escala-a como um monumento, passo a passo.
Ela é sólida.

Quanto a mim, sou uma aguarela.
Diluo-me
.

Anne Sexton




40 graus de febre



Pura? Que vem a ser isso?
As línguas do inferno
São baças, baças como as tríplices
Línguas do apático, gordo Cérbero
Que arqueja junto à entrada. Incapaz
De lamber limpamente
O febril tendão, o pecado, o pecado.
Crepita a chama.
O indelével aroma
De espevitada vela!
Amor, amor, escassa a fumaça
Rola de mim como a echarpe de Isadora, e temo
Que uma das bandas venha a prender-se na roda.
A amarela e morosa fumaça
Faz o seu próprio elemento. Não irá alto
Mas rolará em redor do globo
A asfixiar o idoso e o humilde,
O frágil
E delicado bebê no seu berço,
A lívida orquídea
Suspensa do seu jardim suspenso no ar,
Diabólico leopardo!
A radiação faz que ela embranqueça
E a extingue em uma hora.
Engordurar os corpos dos adúlteros
Tal qual as cinzas de Hiroshima e corroê-los.
O pecado. O pecado.
Querido, a noite inteira
Eu passei oscilando, morta, viva, morta, viva.
Os lençois opressivos como beijos de um devasso.
Três dias. Três noites.
água de limão, canja
Aguada, enjoa-me.
Sou por demais pura para ti ou para alguém.
Teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna —
Minha cabeça uma lua
De papel japonês, minha pele de ouro laminado
Infinitamente delicada e infinitamente dispendiosa.
Não te assombra meu coração. E minha luz.
Eu sou, toda eu, uma enorme camélia
Esbraseada e a ir e vir, em rubros jorros.
Creio que vou subir,
Creio que posso ir bem alto —
As contas de metal ardente voam, e eu, amor, eu
Sou uma virgem pura
De acetileno
Acompanhada de rosas,
De beijos, de querubins,
Do que venham a ser essas coisas rosadas.
Não tu, nem ele
Não ele, nem ele
(Eu toda a dissolver-me, anágua de puta velha) —
Ao Paraíso.
Sílvia Plath




Sylvia Plath




Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso – e se me quebro?
Eu sou tua água – e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.

Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.

Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.



Rilke





Traze-me

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!





Cecília Meireles

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