Recent Posts

28/07/2010

Os Desajustados (1961)


'Os Desajustados' é um filme marcante por três motivos. Primeiro, ele foi o último filme da carreira de dois lendários artistas do cinema: Clark Gable e Marilyn Monroe. Segundo, ele é o filme que mostra a real capacidade de atuação dramática de Monroe e terceiro, é um filme sólido com um tema bastante forte, principalmente para a época.

O filme dirigido pelo também lendário John Huston (O Tesouro de Sierra Madre, Relíquia Macabra) nos conta a história de Roslyn Taber (Monroe), uma linda mulher que acaba de separar do marido. Após o divórcio, ela e sua amiga Isabelle (Thelma Ritter) conhecem Gay Langland, um típico caubói mulherengo, sem emprego fixo e que caça cavalos selvagens para depois vendê-los aos fabricantes de comida de cachorro. Juntamente com Gay, as duas também conhecem um amigo do caubói, Guido (Eli Wallach) e finalmente outro caubói, Perce (Montgomery Clift), e assim, esse quarteto Monroe-Gable-Clift-Wallach passam a viver uma espécie de triângulo (ou quarteto?) amoroso.

'Os Desajustados' é antes de tudo um filme pessimista. Todas as personagens principais possuem um passado marcado por algo ruim: Roslyn se divorcia devido à indiferença do marido, Gay é separado da mulher e quase não vê os filhos, Guido é um ex-combatente de guerra que perdeu a mulher enquanto ela ainda estava grávida, e Perce é um caubói errante que não possui mais uma carinhosa relação com sua mãe, depois da morte do pai. Por causa desses acontecimentos em suas vidas, as personagens estão em constante conflito interno, perdidas no mundo, assim, o título do filme não poderia ser mais apropriado.



Escrito por Arthur Miller, o roteiro é praticamente a personificação da vida de Marilyn Monroe, sua mulher na época. A vida Roslyn se parece muito com a de Monroe, e quem conhece pelo menos um pouco a vida do maior ícone do Cinema, saberá que isso não é mera coincidência. Miller escreveu o papel especialmente para a esposa. Tanto Roslyn quanto Marilyn não tiveram a mãe por perto quando criança, na película dá-se a entender que a mãe de Taber vivia fora de casa por conta de um caso extra-conjugal (- Três meses fora de casa é muito tempo para uma criança) e que seu pai fora ausente, já a mãe de Marilyn passou boa parte de sua vida internada em hospitais psiquiátricos, e ela nunca soube a verdadeira identidade do pai, o que levou a pequena Norma Jean a passar vários anos de sua vida em orfanatos. Ambas estão perdidas, Roslyn diz que não sabe o lugar ao qual pertence, e sua intérprete sempre dizia à imprensa que não pertencia a ninguém, apenas ao público (Norma Jean passou a vida toda tentando achar sua 'identidade', e quando se tornou Marilyn Monroe, essa questão se tornou ainda mais difícil); as duas também tiveram um casamento falido (no caso de Marilyn, três) e por fim, Monroe tinha aversão ao mal tratamento de animais, assim como Roslyn.

Bastante diferente das louras burras que interpretou em filmes como "Os Homens Preferem as Loiras" e "O Pecado mora ao Lado", Monroe nos apresenta uma atuação primorosa, brilhante; talvez pelo fato da personagem ser tão parecida com ela, talvez pelo fato de que em 1961 Marilyn já tinha uma boa bagagem de trabalho, ou talvez pelas duas coisas. A razão realmente não importa, quando a vemos na tela, temos a certeza que Monroe conseguiu chegar aonde ela tanto almejava estar: no mesmo patamar de outras grandes atrizes, e com certeza ela teria ido mais longe, se não fosse pela sua morte prematura em 62. Com um visual mais 'desleixado' (se comparado a seus filmes anteriores) e um pouco mais gordinha (mas sem jamais perder seu natural sex appeal), seu olhar consegue exprimir com perfeição toda a angústia sofrida por Roslyn, mas ao mesmo tempo ela consegue abrir um sorriso, que como diz Gable: "parece que o sol acabou de aparecer". E Monroe era exatamente assim na vida real, sua mente sempre divida por uma linha tênue entre a tristeza e a felicidade, a tristeza vivida por Norma Jean Baker que a todo momento tentava apagar seu triste passado, e a alegria vivida por Marilyn Monroe, que tentou a todo custo mudar completamente de vida tal como mudou seu nome.




Marilyn Monroe não teve muita chance de mostrar do que realmente era capaz. Ela já tinha estrelado um drama contundente no início de sua carreira, interpretando uma babá psicótica em 'Almas Desesperadas', apesar do seu bom desempenho, a Fox não aproveitou esse seu lado dramático, deixando-a na maioria das vezes com papéis cômicos (o que ela fez com muita competência, diga-se de passagem), mas por essa razão, ela não era considerada uma atriz que podia ser levada a sério. Marilyn sempre foi muito insegura, não acreditava em seu talento, isso era devido a vários fatores, além de sua falta de confiança natural, sua instrutora dramática, Natasha Lytess, exercia uma forte pressão sobre ela, a musa só sentia que tinha se saído bem em alguma cena se obtivesse a aprovação de Lytess. Provavelmente essa consideração iria começar depois de 'Os Desajustados', depois que Marilyn já havia se 'livrado' da instrutora e também aprendera técnicas mais complexas do Método de Strasberg (que, na minha opinião, fez toda a diferença a partir dos anos 50). A confiança da estrela para atuar tinha sem dúvida crescido bastante, mas então já era tarde demais, uma overdose de pílulas para dormir encerrou a carreira da atriz dramática em ascenção, aos 36 anos.

Entretanto a obra não é só dela, Gable está ótimo como Gay, a personagem faz um ótimo par com a de Monroe. Apesar de não ter um emprego ou lar fixo, vive tranquilamente, como o próprio se gaba, ele simplesmente vive e é isso que ele quer que Roslyn sinta, a vida. Num diálogo entre Gay e Roslyn, ele diz: - Nunca vi uma moça tão triste, ela responde, rindo: - Engraçado, os homens sempre me falam ao contrário, e Gay diz: - É porque você os faz sentirem felizes. O diálogo parece ter sido feito diretamente para Marilyn, Miller a conhecia muito bem, e conseguiu com proeza criar uma personagem baseada em sua esposa.



Montgmery também está muito bem como o caubói que não teme a morte, mas seu papel é um pouco ofuscado, talvez porque a trama se concentra mais no triângulo Roslyn-Gay-Guido. Wallach intrepreta com confiança um homem amargurado pela morte da esposa e pelo sofrimento pelo qual se viu vítima quando estava na guerra (- Bombas são como mentiras, você as joga e tudo fica calmo). E destaque também para Thelma Ritter, com seu sotaque do Brooklyn, sua personagem salva o filme do completo pessimismo, cada fala sua é cheia de uma ironia deliciosa (ela já tinha nos deliciado com seus papéis em Janela Indiscreta e A Malvada, uma eterna coadjuvante de primeiro escalão).

No começo da crítica eu disse que o filme tinha um tema forte, e isso é devido principalmente a descontrução que se faz sobre a insituição do casamento. Roslyn e Gay são separados e a mãe de Perce mudou drasticamente depois da morte do marido, e quando se casou pela segunda vez, apenas três meses depois (- Ela parecia uma santa, sempre ao lado do meu pai). Isabelle até comemora os aniversários de seu divórcio e diz que já testemunhou 77 separações. Logo no início da obra, quando Roslyn conta o motivo pelo qual está se separando (- Eu sinto que ele está lá, mas não posso tocá-lo), ela responde, com seu típico tom irônico, que se esse fosse o motivo de todo o casal se separar, restariam meros 11 casais nos E.U.A.



E por fim, temos o grande John Huston, que filma a obra com uma grande habilidade, a cena da perseguição dos cavalos é magnífica, o controle que Huston tinha em cenas filmadas em locais abertos é impressionante (vemos esse controle também em "Uma Aventura na África, entre outros). O último ato do filme é todo concentrado nessa perseguição que o trio Gay-Guido-Perce faz aos poucos cavalos selvagens que restam, numa paisagem árida, para o desespero de Roslyn. Essa perseguição representa o próprio desajustamento das personagens. Tentando prender cavalos com cordas numa paisagem deserta, o espectador percebe que eles próprios estão, de alguma maneira, querendo ser 'amarrados', provavelmente numa vida mais tranquila.

Por fim, o filme ainda possui um tom macabro pelas personagens sempre estarem falando sobre a morte. E uma cena tocante e linda, Roslyn diz à Guido que as pessoas morrem sem ensinar nada uma às outras (e isso também é condizente com a vida de Marilyn, que passou momentos frustrantes quando as pessoas negligenciavam a sua inteligência), Gay diz que apenas quem tem medo de viver tem medo de morrer, e Guido, por causa da morte da esposa e da sua experiência com a guerra, também faz declarações sobre a dita cuja tão temida. Escrevo também sobre esse tom macabro pois Clark Gable morreu onze dias depois do término das filmagens (ataque do coração), Monroe faleceu menos de um ano depois (deixando um filme incompleto), Clift viveu por apenas mais cinco anos e Thelma Ritter nos deixou em 1969.



Possuindo também uma bela fotografia, "Os Desajustados" é uma grande obra, provavelmente o melhor filme de Marilyn Monroe e também um dos melhores de John Huston, imperdível!

Curiosidade: Durante as gravações, Gable "brincava" dizendo que acabaria morrendo de infarto devido aos atrasos crônicos de Marilyn. A mídia sensacionalista não deixou de culpá-la de certo modo pela morte do ator, mas essas acusações não passavam de inverdades absurdas, pois Gable fumava há mais de quarenta anos. Era mais uma injustiça cometida contra Marilyn Monroe.


6 comentários:

Júnia L. disse...

Desajustados é um filmes que particularmente amo muito, postei uma resenha sobre ele num antigo blog que deletei já faz tempo.

Vários fatores me atraem nos bastidores de The Misfits:
1º Fato de ser uma história/roteiro de Arthur Miller casado com Marilyn na época – chifrado também é claro;
2. Último filme completo de Marilyn e Clarck Gable – Vale destacar que Montgomery não demorou muito a morrer também;
3º A obsessão de Marilyn por achar que Gable era a imagem de seu pai;
4º As manguaças de Marilyn e Montgomery Clift e as respectivas faltas as gravações de ambos;
5º As sumidas de Marilyn em plena gravação para se encontrar com Kennedy;
6º O fato de Marilyn aparecer bem gordinha na cena da praia com Gable;
7º O fato de MM ter irritado Gable ao extremo;
8º No set tiveram que ter um médico de plantão para atender os “Desajustados” atores;
9º Um filme recheado de atores famosos, mas onde teremos - coadjuvantes Thelma Ritter e Eli Wallach – que roubam a cena;
10º O fato de ser um faroeste contemporâneo, que revela o dia a dia sem perspectivas dos caubóis da época- muito bom e diferente para o período
11º E por fim, o fato de ter sido um filme tão sofrido, tão malhado pela critica.

meldevespas disse...

Este Misfits é um filme profundo. Daqueles filemes que permanece muito para além do tempo em que o estamos a visionar e fica a doer cá dentro.
Apesar de na minha opinião a Monroe ter sido sempre uma actriz fenomenal, mesmo a fazer papael de loura burra, este é efectivamente o papael que a iliba de muitos rótulos que lhe estavam colados. Para mim este é també o papel que iliba Clark Gable do epiteto de canastrão. Um naipe de actores muito bem conduzidos pela mão de mestre de John Huston. Ontem como hoje, a mão de um realizador elegante na sua obra é de uma importância fulcral.
Um grande grande filme.
Gostei muito da tua análise.

Alan Raspante disse...

Um filme que tenho uma vontade louca de conferir, por motivos óbvios.
E agora lendo sua resenha fiquei com mais vontade ainda!
rs

Anônimo disse...

Oi Gian,
Parabens pelo texto! Como vc sabe amo esse filme. Prova que Marilyn podia atuar sim. MClift tinha uma coisa triate no olhar que era de matar...
AMo os stills desse filme, a fotografia do deserto onde caçavam os cavalos e linda...
See ya!
LP

Anônimo disse...

Marilyn era uma excelente atriz. O problema é que não permitiam que ela fosse alguém com cérebro - situação esta que persiste nos dias atuais, bastando ver o nível dos programas de televisão...

PatiK disse...

Aconselho a quem se interessa pelo assunto Marilyn Monroe que leia o livro de François Forestier-Marilyn e JFK,de 2008,onde o autor conta entre outras coisas,que o que acontecia na época das filmagens deste filme era influenciado pelo que acontecia no resto da vida dela.O casamento com Arthur Miller estava se desintegrando,ela bebia,se entupia de soniferos,tinha ataques de raiva,xingava o marido,(que a acompanhava no set de filmagem),que se calava humilhado.Desde alguns anos antes ela vivia com Paula Strassberg à tiracolo em qualquer filmagem,exigência dela porque queria ser orientada por ela(mulher de Lee Strassberg-ícone do Actor's Studio).Ela sofreu uma overdose ou bebeu demais pouco antes do fim das filmagens e teve que ser internada.
Segundo o autor do livro,quando as filmagens terminaram,"Clark Gable,não se aguentava mais.A equipe arrumou as malas,querendo distância daquela atriz que não se preocupava com nada ,nem com ninguém.As próprias camareiras do hotel estavam cheias:Marilyn não tomava banho e comia na cama, deixando os pratos debaixo dos lençois.Dormia entre os restos de comida.Ela se sentia detestada e,de fato,provavelmente era. A alegria de viver havia desaparecido,afundada no ódio mais ordinário."
Gable morreu 1 semana depois de terminar as filmagens como todo mundo sabe,mas o calor infernal da época na área de Nevada onde foi rodado o filme,mais o clima de raiva pela falta de profissionalismo dela ,com seus constantes atrasos e escapadas,além das bebedeiras,combinado com o ar de tristeza e solidão enfatizado pelo roteiro do filme que era sobre uma história de desesperança nas relações humanas contribuiu para a turbulência das filmagens e apimenta a história do filme.