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30/05/2010

Kramer vs. Kramer (1979)


A obra de Benton é uma mistura de literatura, atuações extraordinárias, improvisações e vida real, e é, sem dúvida, um dos melhores dramas familiares já realizados. Avery Corman explicou o cerne da obra literária Kramer vs. Kramer da seguinte maneira: As raízes do livro foram verdadeiramente extraídas dos meus sentimentos pelos meus dois filhos e o medo latente do que seria minha vida se perdesse minha esposa. O filme que se seguiu, baseado no livro e dirigido por Robert Benton, é estrelado por Dustin Hoffman, que muito diferente de Corman, estava passando na época pelo seu primeiro divórcio, e Meryl Streep, que coincidentemente, tinha acabado de se separar do namorado.

Vamos à história. Ted Kramer (Hoffman) é um pai de família que nunca deixou de prover econômicamente as necessidades de sua mulher, Joanna (Streep) e de seu filho Billy (Justin Henry). O problema é exatamente esse, Ted estava tão ocupado colocando seu trabalho em primeiro lugar, que se esqueceu de olhar para a família de uma forma interina. Assim Joanna, depois de não aguentar mais a vida infeliz que estava levando, sem metas e bastante depressiva, resolve abandonar o marido e o filho, alegando que será melhor para todos, principalmente para Billy. A partir daí, Ted terá que cuidar do filho sozinho e tentar equilibrar o trabalho, que ocupa a maior parte do seu tempo, com a responsabilidade de cuidar do garoto.














O protagonista de A Primeira Noite de um Homem foi a primeira escolha de Benton, entretanto, Hoffman relutou bastante antes de aceitar o papel, justamente por estar passando por uma situação semelhante à do filme, mas depois de algumas conversas, uma melhor compreensão da obra de Corman e um dedinho do destino, ele acabou aceitando o papel que lhe renderia o Oscar de Melhor Ator, um prêmio mais que merecido devido à sua atuação soberba. Já Streep, que estava louca por um trabalho, aceitou o papel sem maiores complicações, sua atuação não é menos brilhante que a de seu colega de trabalho, e acabou levando o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, apesar de Joanna está longe de ser um personagem que mereça o título de coadjuvante. Não posso esquecer, de forma alguma, da atuação de Henry. O garoto está sensacional, faço das palavras do produtor Stanley Jaffe as minhas, que disse nunca ter visto uma atuação melhor do que a de Henry entre os atores mirins, empatando talvez com Tatum O'Neil em Lua de Papel. A interação dele com Dustin Hoffman é a mais natural que se poderia alcançar, tanto que o ator disse que sentiu ter ganhado outro filho enquanto filmavam. E por fim temos a ótima Jane Alexander, que interpreta a vizinha e amiga do casal, que após a separação se aproxima mais de Ted (sempre como amiga, bom ressaltar) e o ajuda em parte a cuidar do filho. As conversas casuais entre os dois são maravilhosas, a naturalidade é sem dúvida um dos grandes triunfos do filme, e Alexander ter concorrido ao Oscar de Atriz Coadjuvante apenas mostra como a obra foi felizarda em atuações.

















O espetáculo entre Hoffman e Henry pode ser visto em três seqüências em particular: a primeira é no dia seguinte ao término do casamento, quando o pai vai fazer rabanada para o filho e se atrapalha todo. Hoffman improvisou na cena (como fez em boa parte do filme, o diretor até sugeriu que seu nome entrasse nos créditos do filme como roteirista, mas o ator recusou) e criou um clima perfeitamente equiparável com a realidade desesperada de um homem que acabou de ser largado pela mulher que ama e não faz a mínima idéia de como vai se virar sozinho com o filho, que antes era 'uma preocupação' apenas aos finais de semana, pois naturalmente o encargo de criar o menino era da mãe. A segunda é quando a relação entre pai e filho ainda está em processo de maturação, os dois estão jantando, Billy rejeita a comida e sem ligar para a ordem do pai, pega um pote de sorvete e o abre com a cara emburrada, quando vai dar a primeira colherada, Ted pega o menino e o joga violentamente na cama, os dois ainda trocam pesados insultos. A cena foi concebida por Hoffman, que passou pela mesma situação com a filha pequena, e Benton, sempre receptível, aceitou sabiamente inserir a seqüência. E a terceira, é já no final, quando os dois estão no limiar da separação em função da perda do pai da custódia do filho, bem diferente do dia seguinte à separação, agora os dois finalmente criaram laços eternos, a rabanada é feita delicadamente e sorriso sutis e afetivos são trocados, em uma das cenas mais sinceras do cinema.


Sim, há a briga de quem vai ficar com o garoto. Depois de acompanharmos intimamente todo o processo de crescimento afetivo entre pai e filho, um processo árduo (e o acidente de Billy serve para mostrar a instabilidade do processo), Joanna volta para a vida dos dois, sua aparição atrás de um vidro de uma lanchonete faz lembrar um fantasma do passado que retorna para destruir o que foi construído com tanto esforço. Não é difícil para nós vermos Joanna como uma 'vilã' quando reaparece, afinal, agora que tudo está no controle, o que uma mãe, que teve a coragem de abandonar o filho, tem a dizer em sua defesa? Apesar de termos entendido a infelicidade da mulher em continuar no casamento, é quase impossível não ter essa pergunta martelando na cabeça. A raiva que Ted sente ao conversar com a ex-mulher em um restaurante, jogando uma taça de vinho na parede (genialmente improvisada), é a nossa raiva.



Apenas no tribunal é que a figura materna de Joanna volta a ter forma. Através de seu discurso (que foi drasticamente mudado pela própria atriz), sentimos que ela ama verdadeiramente o filho, e que não foram apenas Billy e Ted que cresceram. Joanna também mudou, sua 'fuga' foi uma saída desesperada (talvez a única possível) em busca de um caminho para o encontro em si mesma, para um desenvolvimento espiritual que a deixasse menos infeliz, enfim, um processo de descobrimento, tanto para ela quanto para o marido e o filho, que seria impossível ser atingido se ela continuasse nesse ambiente familiar, que a sufocava. O filme também pode ser facilmente classificado como um dos melhores dramas de tribunal, apesar de não ser esse o foco principal. Talvez a resolução final possa parecer um pouco forçada e piegas no primeiro momento, entretanto, se formos tatear por todo o filme, acabamos percebendo que não haveria outro jeito de terminá-lo, é o 'clichê' imitando a vida, logo, perdoável, ou melhor, louvável.


Além dos prêmios citados, Kramer vs. Kramer também levou o Oscar de Melhor Filme, Diretor e Roteiro Adaptado, muitos consideram os três últimos prêmios injustos em vista de um grande concorrente, a poesia sensorial Apocalypse Now, mas eu não vou nem ousar discorrer sobre esse fato ou fazer algum tipo de comparação. Apenas sei que o filme vencedor é muito mais que um passatempo, é um retrato incrivelmente tocante da mais pura realidade.

2 comentários:

Kley disse...

Hoffman se arrepnderia anos mais tarde por não ter aceitado que seu nome constasse nos créditos como roteirista. Belo filme, faz muito tempo que o vi, verei novamente.

Gian, você mais uma vez arrasou no texto.

Gian Le Fou disse...

AH eh? Não sabia dessa do Hoffman!

Ah, valeu pelo elogio, Kley!