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01/05/2010

Direito de Amar (2009)


Agora, acordar dói
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Tom Ford com seu Direito de Amar é uma das maiores surpresas do Cinema nos últimos anos. Um dos estilistas mais famosos do mundo, revigorou a marca Gucci nos anos 80, quando essa enfrentava uma grande concorrência. Hoje em dia ele é também um grande empresário e comanda a marca. Como se não fosse o suficiente, Tom Ford se arriscou no ano passado como diretor de cinema, e o resultado de seu primeiro longa-metragem é uma obra nada menos que surpreendente.

























O filme mostra apenas um dia da vida do professor inglês George (Colin Firth, belíssimo). O ano é 1962 e o lugar é o sul da Califórnia, sua moradia há vinte anos. Depois de perder seu parceiro Jim (Matthew Goode) em um acidente automobilístico oito meses antes, o professor mantém as aparências impecavelmente, seja no visual, no trabalho ou em sua bela casa, apesar de estar morrendo um pouco por dentro a cada dia - Faz oito meses que acordar é doloroso - se apresenta como uma de suas primeiras falas, logo após um terrível pesadelo envolvendo o acidente. Dessa maneira, Ford logo dita o tom da película. Charlotte (Julianne Moore), uma mulher deslumbrante, porém solitária e desgostosa diante das situações de sua vida, é a melhor amiga do 'viúvo', mas também nutre uma paixão por ele desde os tempos da faculdade. E para completar o quarteto temos o belo aluno de George, Kenny (Nicholas Hoult), um garoto inteligente, decisivo e nada compendioso em suas atitudes, apesar de sempre racional dentro do esperado.

O enredo é ótimo. O roteiro de Ford e David Scearce, baseado no romance de Christopher Isherwood, é seguro, forte e a partir do tema central aborda outras variáveis bem interessantes, a maior delas sendo a morte. Na verdade, o acontecimento principal é mais um pretexto que fornece um contexto para que a morte seja posta como conclusão derradeira e inevitável, não importando as ações dos indivíduos em relação a qualquer coisa. Claro que o assunto em pauta se torna mais sombrio na vida de George por causa da morte de Jim, arrefecendo sua existência e colocando o sentido de tudo em um patamar inferior perante a imbatível ordem natural da vida. Entretanto, o professor já possuía esse pessimismo antes da tragédia, talvez por sua vida toda. Isso porque ele declara que seu parceiro sempre o irritava com seu otimismo, acordando de bom humor, por exemplo. George confessa que para ele é inimaginável acordar daquele jeito, afinal o dia seguinte nada mais é que menos um dia de vida. Conclusão acertadíssima, ainda que inútil, e todos sabemos disso.

A estética de Tom Ford é perfeita. O diretor trata a história com uma obsessão minimalista absurda, sendo a fotografia a maior façanha da obra. Ela segue o fluxo das intermitências emocionais de George, variando de cores e efeitos a partir de certos acontecimentos em sua vida. É notável o brilhantismo do estilista em utilizar os cenários e os personagens como integração a essa fotografia camaleônica, tornando-a parte intrínseca (apesar de não totalmente natural) do mundo. Por exemplo, o tom avermelhado se vincula com a ensolarada Califórnia e com uma máquina de Coca Cola enquanto o professor conversa com um belo espanhol vindo de Madri. Nesse momento o vermelho é a representação do sopro de calor que penetra em George, em seu corpo desesperançado, enquanto ele admira o homem e usa seu espanhol impecável. Por alguns momentos o professor volta ao passado, à vida que lhe está sendo tirada. A escolha do espanhol não é aleatória, afinal se trata de uma língua calorosa, caliente. O tom usado quando George está sozinho em casa no começo do filme é cinzento e frio, lembrando que Acordar é doloroso, não há esperança. A fotografia também é apática quando ele está no banco para retirar alguns pertences, como uma aliança e uma foto do amado. Já quando George se pega admirando alunos sarados jogando tênis, se divertindo com Charlotte (apesar de algumas tensões), de volta a sua casa acompanhado de Kenny depois de uma aventura no mar, ou até mesmo em pequenas conversas com uma família vizinha cujo patriarca sabemos ser hostil ao professor (e o impactante diálogo com a pequena filha do casal - uma Alice esquisita e divertida - é no mínimo intrigante), as cores vivas reacendem sutilmente, e no último caso ressoando sofisticadamente no batom vermelho da elegante Sra. Strunk (Ginnifer Goodwin).

Além da fotografia estupenda, Ford constrói planos utilizando-se do zoom em slow-motion para deslumbrar o espectador enquanto o protagonista observa fixo e misteriosamente os olhos de lindas mulheres, os sussurros no ouvido de Kenny saindo da boca de sua amiga (alguém falou em Brigitte Bardot?) e as barrigas definidas dos estudantes, tudo com o intuito de causar uma espécie de divagação erótica e sorumbática a partir do banal. O exercício estético e até experimental de Ford não é mera função vazia e/ou redundante ou arte enganadora, mas sim um deleite sincero que vale a pena ser visto como parte da obra como um todo. E o diretor promove admiravelmente a época em que a película se passa, usando de referências louváveis e pouco gratuitas para enriquecê-la.

Dentro de toda essa realização que integra sua paixão pela moda, o diretor concede espaço suficiente para atuações imaculadas e que fogem de qualquer afetação que poderia surgir sob a estética instigante. Acomodado em papéis rasos, Colin Firth nos pega inesperadamente com um desempenho soberbo. Quando seu personagem recebe a notícia da morte do namorado, a sua expressão engolfa o espectador numa situação desesperadora, que genialmente nos amarra a cena inicial do seu pesadelo. Juliane Moore não fica presa numa atmosfera rarefeita onde a complexidade daquela mulher poderia ser prejudicada por algum possível extremismo de Ford (algo que não acontece), pelo contrário, ele mantém a personagem em um elevado nível de naturalidade que permeia suas frustrações (a gargalhada prolongada ao final de uma piada é o mais puro primor de atuação), não restringindo então Charlotte aos clichês de uma mulher histriônica de meia-idade. Seus momentos na tela, apesar de relativamente poucos, satisfazem por serem tão delicados e completos dentro desse universo diegético. Matthew Goode está adorável em todas as lembranças de George, destaque para o delicioso momento onde o casal está um de frente para o outro, sentados no mesmo sofá e cada um lendo um livro. O diálogo genuíno durante o pequeno 'duelo' A Metamorfose versus Bonequinha de Luxo é simplesmente lindo de assistir. E Nicholas Hoult não encarna o admirador chato e deslumbrado, todas as suas ações têm uma conseqüência sobre George, culminando no clímax, infelizmente frágil e arrendodado demais.

Poucas vezes um filme me atingiu de uma forma tão única. Ford chega a um patamar assombroso de arte que se pode fazer com uma câmera. É a estética a serviço da vida.



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